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segunda-feira, 14 de abril de 2008

Paraguai continua invisível para a mídia brasileira

Faz uma semana que postei uma matéria sobre a eleição do paraguai para ler, clique aqui que acontecerá no próximo dia 20 deste mês. Comentei sobre minhas desconfianças sobre o porquê de o Paraguai ser tão invisível à imprensa brasileira que forma o PIG (Partido da Imprensa Golpista), o qual, por sua vez, segue o modelo do PIIG (Partido da Imprensa Internacional Golpista) liderada pela indústria cultura ideológica dos EUA.
A menos de uma semana da referida eleição, não vi nenhum telejornal, rádio, jornal ou revista que integra o PIG produzir alguma reportagem sobre o fato.
Toda esta ocultação fortalece a cada dia minha suspeita de que a omissão é exatamente o medo de mostrar que a América Latina a cada eleição vem se posicionando à esquerda. O simples fato de o Partido Colorado que (des)governa o estado "hermano" paraguaio e ao que tudo indica vai perder a eleição, já é suficiente para suscitar uma grande e boa reportagem. Considere-se ainda que as pesquisas de opinião dão uma grande vantagem a um candidato de esquerda, ex-bispo e adepto da Teologia da Libertação.
Nisto, creio, reside o motivo da omissão. O PIIG não quer pôr em evidência o fato de que mais um país na América Latina recusa a política estadunidense e busca alternativas. Confirmando-se as pesquisas de opinião sobre a eleição paraguaia, restará como satélite sul americano dos EUA na região, apenas a Colômbia, onde também existe críticas ao atual governo de Álvaro Uribe, que segundo denúncias é aliado a grupos paramilitares e narcotraficantes.
A eleição paraguaia poderá trazer grandes implicações para o Brasil. Somos considerados pelos paraguaios como imperialistas. Eles têm a respeito do nosso país, a mesma opinião que fazemos dos EUA. Contudo, creio que o Paraguai começa a se libertar de um sistema político arcaico que já apodreceu de tão velho.
Abaixo, leia a entrevista do candidato que lidera as pesquisas eleitorais para a eleição que acontecerá no próximo domingo.

“O Paraguai deveria voltar a ocupar seu lugar na história”

por jpereiraÚltima modificação 07/04/2008 15:58

O Paraguai atravessa atualmente uma encruzilhada cujo resultado marcará as perspectivas populares não somente nesse país, mas em toda a América Latina. Pela primeira vez em 60 anos está seriamente ameaçada a hegemonia do Partido Colorado por uma força eleitoral popular, encabeçada pelo ex-bispo Fernando Lugo. Ele se encontra, entretanto, no olho do furacão.

Nascido em 1951, em uma comunidade rural, viveu desde pequeno a repressão da ditadura. Seu pai foi preso mais de 20 vezes. Três de seus irmãos foram torturados e expulsos do país. Aos 19 anos, entrou no seminário e se identificou com a perspectiva da Teologia da Libertação. Em 1983 foi expulso do Paraguai por seus sermões “subversivos”. Depois de um tempo em Roma, voltou em 1987 e, em 1994, foi ordenado bispo. Durante dez anos foi foi bispo em San Pedro, uma das regiões mais pobres do Paraguai e mais castigadas pela repressão.

Ao final de 2006, renunciou ao sacerdócio e aceitou a candidatura para presidente, depois de receber mais de 100 mil assinaturas que lhe pediam para que contribuísse com seu prestígio e se empenhasse em conseguir a unidade das forças paraguaias opositoras ao Partido Colorado. Essa confiança ele ganhou como sacerdote e, depois, como bispo, acompanhando as revindicações dos setores marginalizados do Paraguai: que hoje são quem mais esperanças colocam em sua candidatura.

Depois de terminada a ditadura de Stroessner (1954 – 1989), todas as estruturas de controle das instituições políticas, jurídicas, militares e legislativas ficaram nas mãos de seus continuadores. O modelo de acumulação que por muitos anos sustentou a ditadura, baseado no esquema agroexportador, nas grandes contratações do Estado e, sobretudo, o dinheiro que entrou no país pelas grandes construções das usinas hidrelétricas de Itaipu (com Brasil) e Yacyretá (com Argentina) terminou na década de 1980.

A profunda crise foi sorteada com violência política exercida contra o povo e com os ajustes de contas entre as principais facções do poder: os pecuaristas – organizados na Associação Rural do Paraguai, a União Industrial Paraguaia (UIP), Cadelpa (os agroexportadores) – entrelaçados a narcotraficantes e a grupos que têm feito da política o caminho dos negócios.

É por isso que a possibilidade de que se concretize o que aparece em todas as pesquisas aparece como um triunfo seguro está ameaçada. Não somente porque o Partido Colorado é especialista em “megafraudes”, mas também por causa da guerra suja que tem sido desenvolvida contra as forças opositoras.

A força eleitoral que o leva como candidato está composta por uma franja política muito ampla, que vai desde uma parte significativa dos movimentos populares até o tradicional (e conservador) Partido Liberal Radical. Isto gera algumas desconfianças entre os setores que, apesar de o apoiarem, sabem que caso ele vença haverá uma grande disputa interior entre as forças que hoje o apóiam.

Realizamos este diálogo em um seminário nacional convocado pela juventude de Tekojoja, a força criada recentemente em torno de sua figura, a qual todas as pesquisas colocam em primeiro lugar para alcançar a Presidência do Paraguai. Ao chegar ao seminário, os garotos e garotas se amontoam ao seu redor para uma foto, uma palavra ou um abraço.

Quem é Fernando Lugo?

Fernando Lugo é um cidadão paraguaio que ama muito a sua terra, sua cultura e suas raízes; formado na Igreja Católica e com uma profunda sensibilidade social. Me dói muito a exclusão e a injustiça social em nosso país. Creio que isso é, na verdade, o que a mim mais me dói.

Como foi o processo pelo qual você aceitou deixar o cargo de bispo e se dedicar à política?

Há um processo de discernimento, de conversas, que culmina em dezembro de 2006, quando chegaram em mim mais de cem mil assinaturas de todos os setores: artistas, intelectuais, camponeses, operários, pedindo-me que renunciasse ao exercício pastoral para aglutinar diversos setores sociais e encabeçar a unidade social e política para mudar a situação do país.

Como você pensa desafiar o aparato corrupto que hoje controla majoritariamente as estruturas políticas do Paraguai?

Nós temos consciência que não será fácil, porém, não será impossível. O maior obstáculo será, por um lado, o confronto com uma estrutura eleitoral de fraude que tem 60 anos e é muito aperfeiçoada. Por outro lado, há uma estrutura estatal identificada com o Partido Colorado. Por isso dizemos que a cidadania será a protagonista, o sujeito dessa mudança real que estamos gerando, sobretudo os grupos sociais, camponeses, rurais e também a classe política opositora do país. O que nós queremos é que se Lugo chegar ao governo, o povo tenha o poder, seja protagonista e elabore o programa. Eu me coloco à disposição do povo. Sempre dizemos que o inimigo, o adversário não será Blanca Ovelar (candidata do Partido Colorado) ou Lino Oviedo (candidato de um setor militar). Nosso inimigo será a corrupção. Teremos que vencer a pobreza e a ignorância. Porém, no dia 20 de abril, o dia das eleições, o grande desafio será romper 60 anos de fraude eleitoral. Hoje temos certeza que isso acontecerá. Porque o controle eleitoral e a maioria do povo paraguaio vão garanti-lo.

Como se caracterizam as forças que integram a Aliança?

A Aliança Patriótica para a Mudança (APC) aglutina nove partidos políticos e 20 movimentos sociais de camponeses, sindicais, de bairros e de mulheres. O Paraguai é nossa grande garantia de unidade. Todos nós nos unimos debaixo das cores de nossa bandeira. O vermelho que simboliza a justiça, o branco que simboliza a paz e o azul, da liberdade. A Aliança resume o que é o Paraguai, incluindo uma franja colorada que também a integra. Nós unimos diferentes ideologias, tendências, líderes de diferentes extrações, colocando o país em primeiro lugar. Prometemos que não haverá perseguições. Não haverá exclusão ideológica, religiosa ou étnica. Queremos que se cumpra a Constituição: somos todos iguais perante a lei. Se tiverem que haver privilegiados, serão os esquecidos. A Aliança Patriótica para a Mudança se fez para favorecer os mais pobres do país e, em primeiro lugar, estão os indígenas, os sem-terra, sem-teto, sem-educação e sem-saúde. Eles nos pedem, nos exigem e nos gritam – de Norte a Sul do país – a mudança real do Paraguai. Desta vez não se trata de mudar de presidente, mas de fazer um país diferente. Nosso sonho é que o Paraguai abra seus braços, levante vôo e possa acolher se não a todos – para ser realista – a grande maioria dos paraguaios que hoje vivem perambulando pelo mundo buscando, como os indígenas, uma terra sem mal. O Paraguai vai mudar, já começou a mudar com a colaboração de todos, sem exceção.

Que lugar tem os movimentos populares no projeto da Aliança Patriótica para a mudança?

Os movimentos populares estão na dianteira. Aqui também está o maior partido de oposição, o Partido Liberal, as forças sociais, camponesas, sindicais, que fazem um grande contrapeso. O movimento Tekojoja nasce quando os movimentos sociais se dão conta de que suas revindicações, desde o ponto de vista social, não são atendidas, não avançam. Quando os sem-terra vêm que sua luta social está sendo criminalizada a partir do momento em que começam a processar mais de quatro mil camponeses, estes grupos começam a pensar em formar um movimento político. Em Tekojoja, a grande maioria é composta por líderes sociais jovens, estudantes, artistas e políticos que não surgem dos partidos tradicionais. Estamos convencidos que os movimentos populares hoje têm um grande protagonismo político. Um grande passo é pensar politicamente os problemas sociais e, também, responder politicamente. Esse protagonismo é o que marca a diferença e a identidade da Aliança.


Que mudanças este governo espera realizar?

Nossa visão é de mudar a história. É romper com mais de 60 anos de um partido hegemônico que nem sequer representa seus princípios. Há muitos colorados que estão também na Aliança Patriótica para a Mudança, porque a política atual não os representa. O que vai mudar? Vai terminar o roubo ao erário público. Nós não vamos roubar, como escandalosamente se faz em nosso país. A maneira mais rápida de fazer fortuna no Paraguai é fazer política. Que outras coisas vão mudar? Estarão na administração pública os melhores homens. A fama que temos de ser os primeiros na corrupção, tomara que a mudemos e sejamos os primeiros em honestidade, sobretudo na transparência da gestão pública. Na Aliança Patriótica para a mudança há seis eixos que ocupam o mesmo nível de importância: a reforma agrária, a reativação econômica, a recuperação da institucionalidade da República, a justiça independente, o plano de emergência nacional e a recuperação da soberania, especialmente da soberania energética. Os seis eixos programáticos recolhidos em todo o país têm o mesmo peso, a mesma importância. A reforma agrária nunca foi feita. Há um programa elaborado pelos próprios camponeses. Não se trata somente de distribuir algumas terras. Reforma agrária é possibilitar cidadania, que as 300 mil famílias sem terra possam ter uma vida digna, com terra, crédito, assistência técnica, cultivo adequado, mercado justo e com todos os serviços.

De onde sairá o dinheiro?

Das reservas do Estado. O Estado paraguaio tem uma reserva de 2,5 bilhões de dólares neste momento. O programa de reforma agrária apresentado pelo movimento camponês requer 150 milhões de dólares. Outro tema importante é que vamos apoiar as pequenas empresas formadas de maneira cooperativa. Temos energia suficiente para fazer um país industrial.

Queremos que as instituições públicas recuperem sua institucionalidade. É difícil mudar 60 anos em que as instituições públicas têm sido de uma cor só e de um só partido. Voltarão a ser de todos os paraguaios. O mesmo respeito à recuperação da soberania nacional e à soberania territorial. Dizíamos estes dias, a propósito do sucedido no conflito entre o Equador e a Colômbia que ninguém, absolutamente ninguém, por nenhum motivo, pode violentar e forçar a soberania territorial de outro país. O princípio da autodeterminação dos povos é um princípio inviolável, que temos respeitado, seguiremos respeitando e iremos respeitar no Paraguai.

Não se pode construir uma nova sociedade sobre o silêncio e o sobre o esquecimento. Somente com a Justiça. No nosso plano de governo, propomos uma justiça soberana, independente e autônoma. Hoje não a temos. Assim como estão as coisas hoje no Paraguai a Justiça não é garantia nenhuma. Nesta transição mais de cem camponeses foram assassinados. Estão criminalizando as lutas sociais e camponesas. A Justiça soberana e independente não é resultado de um pacto político dos partidos para eleger os juízes membros das Cortes, mas sim que estes sejam os mais idôneos, os mais capazes. Eu acredito que os organismos internacionais estão dispostos a nos ajudar para que possamos avançar nisto. A Justiça tem que ser igual para todos.

Um tema fundamental é a recuperação da soberania energética; isto põe a necessidade de reconsiderar os tratados das usinas de Yacyretá (com a Argentina) e de Itaipu (com o Brasil). O que vocês estão propondo a respeito?

Os tratados de Itaipu e Yacyretá são tratados leoninos, injustos, que quase não beneficiam o Paraguai. Vamos exigir uma renegociação para dispor livremente de nossos excedentes hidrelétricos e receber um preço justo por eles. Exigiremos acesso técnico, sem custo adicional, da totalidade da energia que nos corresponde de Itaipu e de Yacyretá – segundo estabelecem os respectivos tratados –, e a eliminação de todas as dívidas espúrias. Vamos discutir que o preço da energia seja o do mercado, e não o de custo, como se faz até agora.

A Aliança Patriótica para a Mudança demandará, além disso, a redução das taxas de interesse usurárias, a co-gestão efetiva na administração dos entes binacionais e a transparência na gestão, com livre acesso público à informação e o controle por parte dos entes de fiscalização pública dos países involucrados. Incentivaremos a construção de redes de transmissão de grande tamanho, para assegurar o abastecimento interno do país, estimular o uso produtivo de nossa hidroeletricidade e possibilitar que seja o centro de interconexão elétrica do Mercosul, exportando sua hidroeletricidade a preços de mercado. De todas as formas, eu penso que este tema pode ser visto somente do ponto de vista econômico, mas é necessário também incluir no debate a questão ambiental. Como garantir que o desenvolvimento econômico não se faça em detrimento do meio ambiente? No Paraguai, somente a partir de 1996 as leis contemplam delitos sobre o meio ambiente. O desafio é como garantir o respeito ao ambiente, que é um grande temo planetário.

A relação do Paraguai com o Brasil, a Argentina e o Uruguai está marcada por uma dívida histórica que significou a Guerra da Tríplice Aliança. O que significa esta carga histórica em relação à integração de nossos povos?

Acredito que há uma releitura e uma reinterpretação da história. Há um reconhecimento da dívida histórica com o Paraguai. acreditamos na Justiça, o Paraguai deveria voltar a ocupar lugar que ocupava: o país mais desenvolvido, o mais unido, que tinha um projeto econômico diferenciado. Acreditamos que o Paraguai tem um potencial humano, econômico e riquezas naturais para voltar a ocupar o lugar que possuía. O reconhecimento que os países vizinhos podem dar a esta dívida histórica é simplesmente o que, por uma questão de justiça, corresponde ao país. Faremos um governo aberto ao continente e ao mundo. Aberto às novas tendências, mas com nossa identidade bem marcada. Abertos ao Mercosul, a uma integração com mais eqüidade social, com mais simetria. Os homens e mulheres paraguaios nos ensinaram muito nestes últimos meses. Nos ensinaram que temos uma identidade própria fortalecida, e, sobretudo, que o Paraguai não se ajoelhará diante de ninguém. Recuperaremos nossa dignidade como Nação. Nossas pequenas grandes diferenças conversaremos como vizinhos, com amizade, solidariedade, de igual para igual. Nos uniremos com alegria aos governos progressistas da América Latina. Temos muito que aprender com nossos irmãos, dos países vizinhos. Vamos visitar Argentina e Brasil (entrevista concedida antes da passagem de Lugo pelo país). Já estivemos no Uruguai. É muito o que temos para aprender com a Bolívia. É um país que criativamente está fazendo um novo caminho.

O que significaria um triunfo de Fernando Lugo para o cenário político latino-americano?

O Paraguai vai mudar de imagem. Em primeiro lugar não será o país mais corrupto da América Latina. Será o país mais honesto. Com uma administração transparente, um governo de credibilidade e legitimidade, um governo pluralista, popular, com participação cidadã. Isto permitirá ao país cobrar o lugar que lhe pertence. Um lugar que coloque em igualdade de condições para conversar com todos, de igual para igual; e ser protagonista no processo de integração latino-americano. Temos um elemento de desenvolvimento para a integração que não se deve descartar: a energia. O Paraguai é o único país que tem reservas de energia e que tem superávit de energia na região. Acredito que isso nos dá potencial para negociar com os países vizinhos e, ao mesmo tempo, ser escutado no concerto das nações como um país que pode aglutinar, unir e que pode ter um espaço preponderante no desenvolvimento e na integração do continente.

Uma jovem militante de Tekojoja expressou que ainda existe medo entre os jovens para participar. Como se dá essa batalha entre o medo e a esperança nos setores populares?

Há medos distintos. Como na Aliança há setores tão diversos – o que torna ainda mais rica a experiência – há medo que interesses prevaleçam. O governo será muito equilibrado em um primeiro momento, levando em conta as prioridades de todos os setores. Nos camponeses, o medo que existe é que suas reivindicações não sejam cumpridas e que haja um aparato repressor forte, como o que ocorreu em San Pedro, em 2005, e criminalizou a luta agrária com quatro mil camponeses processados e casas queimadas. É certo que há um grande medo. Mas também há uma grande esperança posta em marcha. Não vamos decepcionar essa esperança. Será um processo difícil e longo, mas prometemos à cidadania não renunciar aos direitos de todos os paraguaios. Acredito que a governabilidade tem que ser assegurada através de um grande pacto social que envolva os mais diversos setores.


Fonte: http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/internacional/201co-paraguai-deveria-voltar-a-ocupar-seu-lugar-na-historia201d

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