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domingo, 23 de março de 2008

Este é um blog diferente, talvez nem seja um blog.

Como o título indica, não sei se isto é verdadeiramente um blog. Salvo engano (e não tenho vergonha de manifestar minha ignorância), blog é uma espécie de diária eletrônico, compartilhado com o público. Em verdade, a idéia incial é utilizar este espaço como um banco de dados, no qual gostaria de guardar alguns textos e relatos que escrevi, primeiro com a prática e depois com instrumentos como papel, caneta e/ou computador. O que postarei agora abaixo é um texto escrito quando ainda estava frenquentando os bancos da universidade. Neste período, escrevi sobre vários assuntos e de várias modalidades. Abaixo vai o primeiro a ser publicado, não necessariamente a ser escrito.

(Ao ler e discutir um texto apresentado numa aula, comecei a pensar em coisas que me marcaram. Dentre as muitas marcas encontrei uma da qual ainda não tinha percebido a dimensão de sua importância em minha experiência de vida. Tratarei, no texto abaixo, desta experiência).

EXPERIÊNCIA MARCANTE

Certa vez, fui solicitado a participar de um trabalho audiovisual desenvolvido por um companheiro de militância pastoral-sócio-política. Aceitei e fui por ele entrevistado. Avelange, começara a entrevista pedindo-me uma autodefinição, já que sou considerado por ele, um formador de opinião da juventude jacuipense. Confesso que gaguejei, mas logo respondi: Defino-me como um jovem comum, de carne e osso, igual a todos os outros, mas com uma diferença: sou normal.

Ele riu e não pediu explicação do porquê dessa diferença, “sou normal”. Algum tempo depois, eu mesmo me fiz esta pergunta.

Embora nada tenha dito ainda sobre a marca, da qual falei no início, o que disse até o momento a explicará melhor. É que foi respondendo à pergunta que me fiz, que redescobri a marca que naquela aula, na faculdade, reverberou-se trazendo-me à consciência da sua significância.

Na minha juventude, fui muito questionador, polêmico, crítico. As práticas políticas, os costumes religiosos e sociais não escapavam da minha observação crítica (talvez nem sempre justa, lógica, ou inteligente). Mas isto é que considero “normal”. Porém eu tinha tudo para não ser “normal”. No ambiente onde vivi a minha infância e adolescência todos eram, segundo esta ótica, anormais. Mas, então por que escapei desta anormalidade?

Tive a sorte de ter um irmão seminarista, até então, anormal como eu. Porém, no seminário, ele conheceu um sujeito muito rebelde, chato, como me tornei para muitos. E esse chato, mudou o rumo da nossa anormalidade.

Certa vez, contou-me meu irmão, muito entusiasmado, um episódio que aconteceu no seminário, quando num final de tarde de domingo, estavam todos os seminaristas fazendo a refeição noturna e eis que de repente uma empregada gritou por socorro, pois havia um ladrão roubando comida na despensa do seminário. O reitor da casa logo colocou aquele batalhão de homens no encalço do ladrão que não levara nada além do que conseguira comer. Antônio, meu irmão, começou a liderar a captura do elemento nada amistoso. Enquanto isso, um outro seminarista, que não ajudara na tentativa de capturar o elemento, indignado, começara a gritar: Foge, foge!

Antônio, que comandara a operação frustrada, pergunta para seu colega, o que pretendia com aquela atitude. Como resposta, ele fez as seguintes perguntas: “Vocês se consideram cristãos ao perseguirem alguém que rouba comida? Alguém entre vocês já experimentou a fome e o desespero de não ter o que comer? Aqui, nenhum de nós trabalha. No entanto, somos mantidos com razoável fartura, com a única obrigação de estudar teologia. Isso nos faz bajulados. Não falta quem faça doações generosas aos nossos bispos para nos manterem estudando. Algum de nós sabe o que se passa com aquele infeliz? Algum de vocês conhece alguém que gostaria de ser ladrão? Ladrão de comida? Será que não somos capazes de perceber que o que nos sobra aqui é exatamente o que é retirado daquele infeliz? Nós somos mantidos aqui porque somos seminaristas, porque a igreja tem poder, “status”. A maior parte das contribuições que a igreja recebe para custear-nos são doadas pelos pobres que acreditam estar fazendo um gesto digno de méritos perante Deus, ou por ricos opulentos que num remorso consciente ou inconsciente buscam, nestes gestos, aliviar suas consciências. Aquele infeliz não pode receber nada disso porque é negro, pobre e não estuda teologia num seminário católico”.

Questionamentos como este continuaram a ser feitos por aquele seminarista muitíssimas vezes (conheço mais alguns, mas não seria breve relatá-los) e eram, claro, contestados por Antônio. Mas aos poucos, Antônio começara a perceber a diferença entre ser seminarista e ser cristão, entre o cristianismo e as religiões. Hoje, Antônio é padre. Do ex-colega do Seminário Central da Bahia, não mais teve notícias depois que este abandonou os estudos teológicos. No entanto, Antônio nunca mais foi o mesmo. A mudança foi tão marcante para ele que atingiu também a mim. Nas raras vezes que nos encontrávamos, eu e Antônio, gastávamos a maior parte do tempo a ouvir e comentar os testemunhos do seminarista rebelde. Sem nem saber da minha existência, aquele seminarista formou a minha personalidade. Foi o maior responsável pela formação do meu caráter, das minhas convicções. A partir disto, nunca mais consegui dormir sem questionar alguma coisa. Coisas simples e principalmente as que considerava inquestionáveis, embora muitas vezes falte-me a coragem de escancará-las como fazia o sujeito responsável por minha transformação.

O que descobri naquela aula da qual falei no início, foi que esta marca já conhecida continha ou contém um ovo prenhe que me fez perceber na minha linha do tempo que a pessoa que mais contribuiu para a formação da minha personalidade, que me fez buscar uma nova identidade, foi uma pessoa que jamais vi, não sei onde mora, onde nasceu, qual a sua etnia... Ainda assim, doravante o apresentarei a todos quantos tiver oportunidade como GEOVANI, autêntico profeta de Jesus Cristo.

Vital Martinho Carneiro de Oliveira, em 21 de abril de 2000,

208º ano do Martírio de Tiradentes.

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