Pesquisar neste blog

domingo, 11 de maio de 2008

A década de 90 em Riachão do Jacuípe - Parte II

Conforme se verifica tanto no texto (clique aqui para ver o post relacionado), quanto na imagem que contém o manifesto que escrevi em 1998, quando integrava a equipe de governo do ex-prefeito Herval Campos, publico hoje, digitalizados, os documentos da minha demissão, ocorrida logo após uma reflexão que fiz durante celebração da missa, na igreja matriz e o comunicado de minha auto demissão seis meses depois de revogada a demissão de iniciativa do prefeito.
A reflexão que me refiro acima, ocorreu por mera coincidência ou pela providência divina. Naquele dia, estávamos na Igreja Matriz para a celebração da Liturgia da Palavra, uma vez que o Pe. Sílvino ausentara-se da paróquia por 20 dias, para participar de um curso de atualização teológica no Rio de Janeiro. Pouco antes do horário, chegara a noticia na igreja de que o padre já estava de retorno, telefonara e dissera que deveria chegar alguns minutos depois do horário costumeiro das celebrações e pediu que avisasse a comunidade para esperar que ele celebraria ainda a missa naquele domingo, 31 de janeiro de 1998.
Chegando com cerca de 45 minutos de atraso em relação ao horário ordinário da missa, o padre, depois da longa e cansativa viagem, sentido-se exausto na hora da homilia, talvez pelo fato de já termos, eu e o padre, em diversas ocasiões trocado idéias sobre o evangelho lido naquele dia, confiante de que eu daria conta do recado, pediu-me pelo microfone que eu fizesse a reflexão do evangelho para a comunidade. Só neste momento fiquei sabendo que eu iria me dirigir aos demais paroquianos naquela ocasião.
Tendo sido pego de surpresa e sem nenhuma preparação prévia, três pontos orientaram a minha reflexão improvisada: 1. A mensagem do evangelho, 2. a histórica visita do papa João Paulo II a Cuba, que se findava naquele exato domingo e, 3. o ato intolerável que o prefeito local havia cometido cinco dias antes.
A mensagem do evangelho lida no dia, foi extraída liturgicamente (e não propositalmente), do livro de Lucas, capítulo 4, versículos 14-21, onde consta que "Jesus voltando para a Galiléia, foi a Nazaré, onde havia sido criado e segundo o costume, no sábado foi à sinagoga e lá deram-lhe para ler o livro do Profeta Isaías, abrindo o livro, Jesus encontrou a passagem onde está escrito: o Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor. Em seguida Jesus fechou o livro, o entregou na mão do ajudante, e sentou-se. Todos tinham os olhos fixos nele. Então Jesus começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu essa passagem da Escritura, que vocês acabam de ouvir".
Fazendo um paralelo entre o evangelho e a visita do papa a Cuba, comecei então a falar um pouco sobre a cegueira cuja necessidade temos que nos curar, a cegueira que nos impõe as ideologias do sistema capitalista que tentava transformar a visita do papa em uma denúncia do sistema cubano. Ressaltei que em Cuba há muitas liberdades cerceadas. Que tenho minhas críticas ao regime cubano, mas tenho também outras tantas coisas a reconhecer como exemplar e cristão naquele regime. Falei então que na chegada ao aeroporto de Havana, se vê um painel (out doll) com a seguinte mensagem: Esta noite, milhões de crianças dormirão nas ruas. Nenhuma delas é cubana. Comparei a liberdade cerceada pela lei cubana e a liberdade cerceada pela realidade de miséria existente nos países capitalistas. Enquanto em Cuba ninguém pode ter dois carros, duas casas, dois apartamentos, etc. porque o regime cubano assim o proíbe, no Brasil também milhões de crianças não têm sequer um teto para dormir num abrigo eguro, ou comida para alimentar-se. E não são as leis brasileiras que assim o proíbe e sim a ganância do capital acumulado nas mãos de cerca de 10% da população brasileira, que detém mais de 50% da riqueza nacional. Concluí que as faltas de liberdades não é fenômeno exclusivamente do regime socialista cubano. Lá enquanto o governo proíbe alguma coisa acessória para garantir o essencial a todos, aqui o essencial é negado à maioria pelo mercado de trabalho excludente, pelo sistema (des)educacional, não pelas leis do país "democrático" e sim pelas leis do injusto regime "capetalista", que garante o luxo, o desperdício e a exploração dos pobres pelos ricos para o "bem maior" de poucos muitíssimo privilegiados.
Faltava ainda a contextualização do evangelho com o ato antidemocrático que o prefeito Herval Campos havia cometido há quatro dias atrás, dia 28/01/1998, quando colocou um carro de som nas ruas da cidade informando, ou melhor, afrontando a população, em especial aos funcionários da prefeitura, dizendo que apoiava o candidato Carlos Gaban para deputado estadual e Aroldo Cedraz para deputado federal. Dizia ainda que os servidores municipais que não votassem nesses candidatos, seriam demitidos por não merecerem a confiança do prefeito.
Mais uma vez, comparei a democracia cubana baseada em termos econômicos com a "democradura" brasileira, ou seja, ditadura disfarçada de democracia, baseada nos princípios da concentração do poder econômico e político.
Disse naquele momento que assim como tinha críticas a fazer a Fidel Castro, tinha também elogios. Da mesma forma, tinha também elogios ao governo Herval Campos, como também tinha sérias críticas e uma delas era sobre o seu gesto ditador e inconstitucional de colocar aquela mensagem no carro de som. Disse que após muitos anos de ditadura neste país, muitas pessoas tinham derramado seu sangue para implantar a democracia, outras tantas foram presas, torturadas, exiladas e perseguidas por sonharem com a libertação. Aquele ato do prefeito foi um desrespeito a todas essas pessoas e a todos os jacuipenses. Foi ainda um crime, pois a constituição brasileira assegura que o voto é livre e secreto. Por ser livre e secreto, proclamo que NÃO VOTAREI nos candidatos do prefeito e que coloco meu cargo à disposição. Prefiro o desemprego à submissão a uma ditadura disfarçada de democracia. Não aceito as algemas da opressão e da cegueira que impedem ver a ditadura política instalada em nossa cidade.
Arrematei dizendo que o evangelho lido naquele domingo, fora providencial. Precisávamos naquele momento, daquela mensagem para nos libertarmos da cegueira e da opressão daquele sistema. Precisávamos sair daquela celebração cheios de confiança e vigor para buscar a libertação de todas as opressões políticas e ideológicas.
Finalizada a reflexão, fui aplaudido por boa parte da assembléia. Relembrei que aquele espaço não deve ser ocupado para buscar aplausos e sim para a celebração da vida. Da vida em abundância como diz o evangelho de João, no capítulo 10, versículo 10, para promover a libertação e proclamar "o ano da graça do Senhor, como vimos no evangelho lido há poucos instantes. Disse que gostaria que aqueles aplausos se transformassem em gesto concreto para mudar aquela situação e que ele não fosse apenas um sinal de aprovação momentânea pelas palavras ditas e que depois se tornariam estéreis sem nenhuma reflexão ou mudança no nosso modo de ver e de se posicionar perante as questões políticas e as eleições.
Na quinta-feira seguinte, quando apresentava juntamente com o Secretário de Agricultura e Abastecimento mais um dos programa de divulgação das ações do governo municipal, especialmente daquela secretaria, disse ao finalizar o programa, na rádio Sisal de Conceição do Coité, que aquele era o último programa que eu participava. Agradeci a audiência de todos naqueles seis meses em que estive ali todas as quintas-feiras, mas na semana seguinte eu não mais estaria ali, pois por questão de coerência não poderia divulgar uma coisa na qual eu não mais acreditava. Hoje já não tenho mais razões para acreditar nas boas intenções do governo municipal de Riachão do Jacuípe. Já não me sinto à vontade para dizer o que penso. Por isso, se não creio nas boas intenções deste governo, por coerência, não posso fazer propaganda do que não acredito.
Finalizei o programa e no dia seguinte, sexta-feira, 06 de fevereiro de 1998, recebi a minha demissão. Aliás, devo relembrar que uma semana depois, o secretário viu-se obrigado a levar-me na residência do prefeito, quando ambos pressionados, sobretudo, pelos radiovintes do programa, me suplicaram para retornar ao trabalho. Aceitei, não sem antes afirmar que não movia sequer uma vírgula de tudo o que eu dissera. Eles deram o silêncio com resposta, e na segunda-feira voltei ao trabalho.
Fiquei lá por mais seis meses, quando não pude me conter diante das demissões, retenções de salários e perseguições cometidas contra pessoas, cuja certeza não davam ao prefeito de que votariam em seus candidatos. Então escrevi o manifesto contido na imagem que você pode ler clicando aqui, a mesma que está no post "A década de 90 em Riachão do Jacuípe", Parte I.
Abaixo, clique nas imagens que posto hoje, para ler o conteúdo das mesmas. A primeira trata da demissão datada de 03/02/1998 e recebida em 06/02/1998. Quanto a segunda, quero esclarecer que a única coisa que difere da original que tenho guardada, é que ao scanear o pedido de exoneração, o papel era maior que a mesa do scaner, a solução foi cortar a parte superior, onde constava apenas a data em que escrevi a carta, fazendo no final uma edição para adicionar a data excluída do processo de digitalização e, que inclusive, pode ser atestada pela anotação manuscrita do recebimento da mesma, pela recepcionista do gabinete do prefeito.

0 Comments:

Acessos