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quinta-feira, 22 de maio de 2008

Recaída, saudades, desilusões, esperança?...

Quinta-feira, a primeira após a festa da Santíssima Trindade, dia santo de Corpus-Christi. Estou em casa, acordo mais tarde que o costume. Ajudo um pouco minha esposa nas tarefas domésticas e, sem mais o que fazer, as crianças brincando e olhando-as de soslaio, dou-lhes um sorriso, aproximo-me delas, dou-lhes um beijo afetuoso e as deixo brincar a sós.

Sento-me no sofá, nada mais a fazer. O último livro que tenho em mãos para ler já fora lido. Inquieto, enquanto minha esposa elabora as avaliações para seus alunos sento-me no chão em frente ao rack da TV e busco algo para ocupar o tempo.

De repente, vem às minhas mãos o DVD “Rio da Fraternidade”, do Pe. Zezinho.

Coloco-o no DVD player e começo a assisti-lo. Nenhuma música ou mensagem do show é desconhecida, não é a primeira vez que assisto àquela obra.

Inédita mesmo, é a ocasião. Lembro-me qual era o meu costume todos os anos, não só durante a Festa de Corpus-Christi, como também nos outros dias santos celebrados pela minha religião. Ops! Ainda tenho religião? Confesso que não sei.

O que sei é que dou graças a Deus por ter tido, se é que já não tenho. Foi a religião que me deu ferramentas para ser quem sou hoje. Foi a religião que me trouxe os momentos mais destacados da minha vida. Deu-me ou proporcionou-me adquirir um bom conteúdo histórico, social, humano e político. Como disse, mostrou as ferramentas necessárias para se conseguir certas coisas, e a minha curiosidade, persistência e inquietude me levaram mais longe do que podiam imaginar e até suportar.

Minha inquietude levou-me a discordar de alguns ensinamentos não doutrinários, mas muito difusos na igreja. Um deles é a idéia de que só a religião católica é a autêntica e a que goza de plenitude no sentido da palavra “religião” (religar a humanidade a Deus). Descobri que religião é uma grande manifestação de cultura de um povo. Nunca existiu nenhuma nação que não tivesse aspectos religiosos na sua cultura desde os tempos cujos registros históricos se pode encontrar.

Desta forma, conclui que religião é cultura, e explico: Tivesse eu nascido na Índia, provavelmente seria hinduísta; na China, talvez budista; no Marrocos, islamita; nos EUA, quem sabe, evangélico; na Inglaterra, Católico Anglicano; na Rússia, Católico Ortodoxo; em Israel, Judeu... e assim sucessivamente. Nosso contato com qualquer religião depende da nossa cultura e/ou do contato com culturas outras que venhamos a conhecer ao longo da vida e nos fazem mudar os costumes e crenças.

Ao contrário, a fé, esta sempre nos remete à crença num ser superior, no estado de vida sobrenatural, na busca da felicidade, da vida plena, do céu, do nirvana, do paraíso, da parusia, do Reino de Deus, seja lá como for que queiram chamar. Entretanto o que permanece é um sentimento emanado d' uma crença, que alimenta sonhos, abrem caminhos os mais diversos possíveis e que às vezes conduzem tanto à busca da paz, como à declaração de guerras chamadas até de “guerras santas”.

Enquanto a maneira de cultuar esse ser superior difere de religião para religião, de cultura para cultura, o sentimento emanado da fé é o mesmo. A crença n’ algo divino. Um sentimento capaz de levar gerações a defender princípios milenares. A fé é, portanto ao meu juízo, algo transcendente, enquanto que a religião é cultural.

Assim não posso afirmar que nenhuma religião é a perfeita, a que goza do status da plenitude. Tal idéia, para mim só é cabível na cabeça de pessoas retrógradas, mesmo que seja a do papa Bento XVI, líder da religião que pratiquei e/ou pratico da minha maneira torta, talvez.

Outra idéia que descobri e contra a qual lutei, é a de que minha religião, como muitas outras religiões cristãs ocupam-se muito mais em preparar o fiel para a morte do que para a vida. Dão mais destaque na condenação do pecado, do que na exaltação da virtude. Não raro, as virtudes na suas concepções, não passam de idéias moralistas ou assistencialistas, enraizadas na sexualidade e na “caridade” de dar esmola ou uma palavra reconfortante, sempre acompanhada da alusão a Deus, ser santo, milagroso, caridoso, piedoso, raramente libertador ou inteligente.

No dia-a-dia, o Deus que condena as injustiças, que liberta os escravos dos reinos: da economia opressora, da exploração do trabalho, da ignorância, das ideologias; o Deus da verdadeira fraternidade, da militância pela transformação social para uma cultura de paz, de lutas por melhores condições de vida, etc. fica relegado aos documentos (Encíclicas, exortações, declarações, constituições doutrinárias...) da religião. Coisas totalmente desconhecidas pelos fiéis, letra morta, portanto.

Falando de mim próprio, tendo nascido numa família muito piedosa e devota, que rezava o terço, fazia oração matinal, a oração do ângelus, oração antes das refeições todos os dias, em família; eu que já fiz experiência religiosa tendo sido monge por um curto período; que após esta experiência passei anos rezando três rosários por dia (o que equivale a nove terços), depois de conhecer um pouco mais sobre a doutrina social da minha religião, mudei completamente minha religiosidade (o jeito de praticar a minha religião). Não deixei de crer nem menosprezei as devoções praticadas antes, apenas percebi que elas já não eram-me tão necessárias. Descobri que geralmente quem reza demais, dificilmente tem tempo para praticar as virtudes que a doutrina ensina; que a doutrina é substituída pela devoção que por sua vez, alimenta a ignorância doutrinária.

Ao descobrir e levantar essas questões dentro da minha comunidade paroquial e diocesana, nos encontros de formação humana, social, política e catequética que tínhamos e, ao praticar a doutrina da minha religião, passei a ser olhado com indiferença, com desdém e muito combatido, até mesmo pelos dirigentes espirituais da minha paróquia, após ter corrido sérios riscos de morte, advindos de ameaças de políticos locais, por ter levado a sério a decisão de praticar a doutrina da minha religião que, aliás, é a mesma religião daqueles que me ameaçaram.

Se hoje já não freqüento os cultos praticados em minha paróquia, não significa que tenha perdido a fé, ou que desprezo a igreja católica. Não freqüento nenhuma outra igreja. Porém não estaria sendo sincero se dissesse que não sinto falta, ou saudades dos tempos em que era possível atuar como atuei nos últimos tempos. Se não freqüento mais na atualidade, é porque já não mais vejo razão lógica ou coerência em fazê-lo. Bem, creio que o motivos estão já descritos de melhor maneira num antigo post indicado pelo link abaixo:
http://facasuahistoria.blogspot.com/2008/04/mais-um-texto-do-meu-banco-de-dados.html.

Hoje, confesso que tenho uma certa apatia a padres, bispos, papa, freiras, etc. muito embora conserve uma grande amizade com algumas pessoas que fazem parte do clero e de comunidades religiosas que mereceram e conservaram sua fé de maneira mais fiel do que eu. Admiro e conservo amizade com muitas dessas pessoas e, fico a imaginar como deve ser difícil para elas pensarem como pensam e terem que se submeterem a viver segundo a tradição, tantas vezes contrária à razão, em nome da obediência que embora rime, nem sempre se coaduna com a coerência. Enfim vivem obrigadas a remar contra a maré.

Entretanto, confesso que hoje meditei sobre tudo isso, relembrei minha militância, relembrei os cultos do dia de hoje, as músicas, os gestos, as orações a oportunidade de encontrar pessoas a quem quero muito bem, com quem lá igreja nos confraternizávamos. Enfim tenho saudades de um sonho que não tem sido possível realizar na igreja comprometida com os poderes constituídos sobre a exploração e a enganação, não consigo mais militar numa igreja que após a revolução dos anos 90 (veja os post's que relatam a década de 90, na seção "selecionadas"), retrocede de tal forma que parece que nem se lembra do seu passado vergonhoso, bem como, da honrosa luta para restaurar sua imagem arranhada pela omissão e colaboração com sistemas políticos tão perversos e corruptos.

Para ser fiel à minha crença em Jesus Cristo, tive que me distanciar um pouco da igreja, mesmo que o motivo do distanciamento seja o propósito de praticar aquilo que ela me ensinou: vê em cada pessoa um irmão, uma irmã; vê nos oprimidos e nos fracos o próprio Jesus Cristo desfigurado pelo sofrimento; lutar para que o evangelho seja realmente a Boa Notícia e não uma mera pregação morta, ilusória, moralista; que o evangelho seja levado sério na busca da vida abundante, como descreve o apóstolo João no capítulo 10 do evangelho por ele narrado; para eliminar as idéias medievais do teocentrismo que retornam à igreja como se fossem coisas novas. Vejo que “O elogio da loucura”, de Erasmo de Roterdã, está mais atual do que quando foi escrito em 1509.

Para curar minhas angústias, para aliviar as saudades ao mesmo tempo em que as aumento e renovo a esperança de encontrar um espaço para militar por estes ideais e princípios, recorro às canções do Pe. Zezinho.

(...)

(interrupção por algumas horas, para atender a um grande amigo que me dá a alegria da visita e logo em seguida mais duas visita: meu e minha madrasta, ou melhor boadrasta. Outra visita feliz, do meu irmão que me dá alegria de cuidar de um dos filhos)

Tentativa de retomar...

Semana passada um colega de trabalho, que é evangélico, perguntou-me como faço para alimentar a minha fé. Ouvir as canções do Pe. Zezinho é uma das saídas que utilizo para tanto. Faz lembrar-me das minhas origens, alimentam as minhas esperanças e me faz crer que existe vida inteligente, sincera e lúcida ainda na minha (ex?)religião.

Abaixo, transcrevo a letra de umas das canções do Pe. Zezinho que compõe a galeria de arte fonológica do DVD ao qual assisti hoje, Rio da Fraternidade.

MANDA PRA FEBEM

Pe. Zezinho

Há um menino abandonado lá na rua da Graça

Estende a mão com voz chorosa a tudo mundo que passa

Tem gente que ajuda, tem gente que não

Tem gente que aproveita pra lhe dar uma lição.

Já sabe tudo de gente, ele conhece quem passa

Já descobriu que tem poder sobre quem passa na praça

Tem gente que escuta, tem gente que não

Tem gente que aproveita pra mais uma repressão

Leva esse moleque pra longe, interna esse menino sem ninguém

Na rua ele atrapalha as pessoas, melhor é interná-lo na FEBEM.

Refrão

Diz que não, que não dá, diz que dar não faz bem

Dar esmola atrapalha é melhor na FEBEM

Que o governo é quem cuida é melhor internar

Tá pedindo dinheiro, não vou dar, não vou dar.

Há uma menina abandonada lá no bar da pureza

Estende a mão com voz chorosa a quem se senta na mesa

Tem gente que ajuda, tem gente que não

Tem gente que aproveita pra lhe dar uma lição

Já sabe tudo de gente ela conhece os clientes

Já descobriu quem ajuda e quem resmunga entre os dentes

Tem gente que escuta, tem gente que não

Tem gente que aproveita pra passar mais um sermão.

Sai, sai, sai, sai desta rua menina

A rua é perigosa pra mulher

Meninas se corrompem na rua

Se prosseguir assim ninguém a quer.

Refrão

Diz que não, que não dá, diz que dar não faz bem

Dar esmola atrapalha é melhor na FEBEM

Que o governo é quem cuida é melhor internar

Tá pedindo dinheiro, não vou dar, não vou dar.

3 Comments:

Anônimo said...

Parabéns Tal, pela sua "nova" religião. A conversa respeitosa e constante com o Criador é a melhor das religiões, ou seja, o diálogo Espiritualista é o verdadeiro e grande alimento imprescindível ao homem.
Eu também, já não suportando mais as peculiares hipocrisias das religiões, tenho adotado a Espiritualidade como religião predileta. Siga em frente sem medo, porque o PAI estará sempre do lado dos não hipócritas.
Um abraço do mano,
Ângelo Messias (Sias)

vitaloliveira@gmail.com said...

É bom saber que não estamos sozinhos na caminhada!

Anônimo said...

Olá, Vital! É assim mesmo que acontece. Não nego, porém, que sou um interessado das religiões, a despeito da tortuosidade de seus caminhos. Acredito no ecumenismo, mais até do que no conjunto das pessoas que procuram promovê-lo. É algo que me parece natural, na medida do amadurecimento das pessoas. Penso sempre naqueles poucos e naquelas poucas que, dentro das diversas religiões, conseguem traduzir e viver a razão de ser desse fenômeno (religião), que Durkheim e outros descortinaram sob olhar científico. Os fazeres humanos em geral têm seus fiéis cumpridores e seus embromadores, estes sempre em número maior, mesmo quando se procurou a melhor distribuição dos bens da terra. Custou-me reconhecer isso, mas, é verdade. Mesmo as instâncias construídas para abrigar o mais belo ideal (ou principalmente estas) restam marcadas por abusos de autoridade e de interesses próprios. Eu prezo a simbologia das religiões como algo que, de fato, faz parte de nossa relação com o sagrado,como você bem expressou em sua crônica.(Isso me lembra o filósofo Maritain dizendo que o homem é um animal que se alimenta de coisas transcendentais.) Mas é preciso se complementar o transcendental necessário com a contemplação do Cristo no rosto daqueles que sofrem. A humanidade em si é muito contraditória. As instituições humanas terminam marcadas por estas contradições.

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