Pesquisar neste blog

terça-feira, 15 de abril de 2008

Mais um texto do meu banco de dados

Por falta de tempo e por conta do cansaço depois de um dia laborioso, embora cheio de graça, que prenuncia nova jornada cansativa para o dia seguinte, postarei hoje mais um texto do meu banco de dados. Ele fala sobre meu olhar sobre a minha caminhada pastoral militante, bem como, meu olhar sobre os últimos anos da caminhada paroquial. Quando digo "últimos anos", refiro-me aos que eu pude militar. Inclusive o texto a seguir praticamente foi o último cartão amarelo que levei de membros de conselhos paroquiais.
Chamo a atenção para a data em que o texto foi escrito. Ele não reflete hoje a mesma situação. Como logo depois que escrevi deixei a militância, acho prudente não emitir minha opinião sobre os tempos atuais, vez que não acho justo analisar o que já não conheço, pois tudo não passará de suposições, ainda que baseadas em fatos históricos.

ANÁLISE DA AÇÃO PASTORAL PAROQUIAL

Há algum tempo venho me perguntando por qual razão nossa paróquia, de repente, ficou tão descaracterizada, ou seja, para onde foi o protagonismo dos leigos? O que consumiu seu entusiasmo? Onde foi parar o profetismo? O que ficou de todo aquele trabalho iniciado em 1992 e que se estendeu até 199...? Será que ainda somos os mesmos? Será que mudamos? Se mudamos, mudamos para melhor ou para pior? Se mudamos, mudamos porque amadurecemos ou porque nos conformamos ou nos tornamos indiferentes com a (des)ordem estabelecida sobre a miséria por nós consentida? O que está faltando na nossa Igreja: espiritualidade/oração, testemunho, pastores capazes de encorajar, despertar, e provocar seu rebanho? Faltam leigos comprometidos o suficiente para animar seu(s) pastor(es), ajudá-lo(s) a perceber com clareza a realidade que o(s) rodeia? Quem está mais preparado para entender claramente tal realidade: o padre que estudou em escola de nível superior mas não foi preparado para ser agente de transformação social, ou o leigo que não estudou o suficiente e está atônito, perdido neste mundo de valores e modelos sociais tão efêmeros?

Após muitas noites mal dormidas dedicadas a tais questionamentos, estou certo de que não cheguei a nenhuma conclusão incontestável mas creio que, em parte, percebo algumas razões que nos ajudam a abrir uma discussão racional a respeito das questões levantadas.

Penso que a primeira causa foi as constantes mudanças de párocos e/ou vigários paroquiais nos últimos dez anos. Nem sempre os que nos assistiram tiveram uma prévia e exata noção da realidade pastoral, religiosa, social e política da paróquia antes de desembarcarem para a difícil missão que lhes fora incumbida. Logo ao descer do “barco”, o recém chegado está obrigado a resolver uma série de “picuinhas” de paroquianos, ouvir reclamações contra seu antecessor, sofre assédios dos insatisfeitos com o ex-pároco e estes insatisfeitos, por sua vez, tentam conquistar a simpatia e a amizade do novo pároco a fim de convencê-lo a não adotar o modelo do seu antecessor. Desta forma, o novo pároco não consegue fazer outra coisa além de ministrar sacramentos. No que tange o vigário paroquial, quase sempre houve uma evidente diferença de concepção social e de atuação pastoral em relação ao pároco. A exceção a isso foi o período em que a comunidade religiosa era composta por: Pe. Silvino, Pe. José Carlos Nascimento, Pe. Ionilton e Pe. José Carlos Lima. Esta equipe sempre esteve afinada pastoralmente. Ao vigário paroquial, sobretudo ao menos afinado e menos conhecedor da realidade social e da caminhada pastoral paroquial, coube a maior responsabilidade em celebrar as missas nas CEB’s, a fim de deixar o pároco mais livre para as atividades de coordenação pastoral e burocráticas. Alguns dos vigários paroquiais, parecem ter maior dificuldade em entender os desafios da comunidade paroquial, a realidade social brasileira, etc.

Nas CEB’s rurais está a melhor massa a ser fermentada na construção do Reino. Elas são mais receptivas aos apelos da Igreja, porém estão mais bem assistidas administrativa que pastoralmente por esta paróquia.

Parece também que, infelizmente, durante o processo de formação do clérigo não há nenhuma, ou pelo menos, suficiente preocupação por parte dos institutos teológicos, em fazer do futuro padre um agente de transformação social. Assim sendo, as dificuldades encontradas por eles para diagnosticar as causas do sofrimento do povo que compõe seu rebanho não são poucas e nem pequenas. A crença que a oração resolve todos os problemas humanos ainda é excessivamente difusa entre o povo que crê que os problemas sociais e sofrimentos de cada um são conseqüências do pecado particular, e ainda, que somente a confissão, a eucaristia e a oração regularmente resolverá os problemas de cada pessoa individualmente. Assim todas as carências de ordem afetiva, psicológica, social e econômica são supridas ou afogadas nas práticas devocionais religiosas que fazem da religiosidade a única coisa capaz de integrar os condenados pela sociedade ao anonimato e ao ostracismo excludente nesta mesma sociedade. A organização popular em defesa dos direitos dos cidadãos parece não ter nenhum elo com a prática religiosa. Esta, funciona como anestésico para os sofrimentos do fiel. O povo não sabe distinguir o pecado social do pecado pessoal. As celebrações dos sacramentos são praticamente 99% da ocupação dos presbíteros e como parecem terem sido muito pouco preparados para atuarem fora delas e da competência da burocrática administração paroquial, fica muito difícil detectar os problemas sociais da comunidade local e, à luz do Evangelho, apontar possíveis saídas para combater os males sociais que aflige o rebanho. Desta forma, não se consegue fermentar esta massa a ponto de fazê-la protagonizar as mudanças tão urgentes na sociedade dando o novo sabor inerente ao cristão que como disse Jesus Cristo, deve ser o sal da terra, o fermento na massa e a luz do mundo. Na atual conjuntura paroquial da igreja em todo o país (ou talvez no mundo), podemos ainda questionar: Como os padres poderão saber concretamente o que representa as grandes questões do cotidiano que afetam tão amplamente a qualidade de vida do povo, como por exemplo: o neoliberalismo - (tão condenado pelo Papa)? A globalização neoliberal, a ALCA? O que conhecem de Políticas Públicas? O que sabem sobre a atual conjuntura do país? O que tudo isso tem a ver com Reino de Deus? Estão capacitados para ajudar os leigos a adotarem critérios coerentes e maduros na escolha dos candidatos aos cargos públicos? Conhecem as histórias, projetos e objetivos dos mais variados partidos políticos? Como se dá o relacionamento e/ou colaboração das paróquias com as mais diversas ONGs?

Com seu tempo sendo ocupado quase que exclusivamente nas celebrações sacramentais e serviços burocráticos paroquiais, terá o padre, tempo e/ou disposição para buscar estas informações a fim de poder entender quais implicações isto traz para o desafio da Nova Evangelização tão exortada pelo Sumo Pontífice? Saberá fazer uma ponte entre o Evangelho e estas terríveis ameaças e entraves no processo de instauração do Reino de Deus? Sem este tempo e sem as condições humanas, psicológicas, etc., os padres terão condições de orientar o povo a combater este anti-reino? Se os que exercem cargos de maior responsabilidade pastoral são tão vítimas da ignorância sobre estes assuntos quanto o povão sem escolaridade, sem acesso a informação imparcial, responsável, livre da censura imposta pelo monopólio da mídia elitista; estarão estes irmãos padres, capacitados para perceber a contribuição que o neoliberalismo, a globalização imperialista e a ALCA, por exemplo, deram ou darão para ampliar o número dos desempregados, dos explorados, da violência, do encaminhamento da juventude para as drogas, a aceitação passiva dos excluídos à miséria imposta pelos países do norte a nações inteiras? Como poderão despertar os leigos para reagirem contra tudo isso se faltam, aos próprios pastores, condições humanas e a devida formação especializada para perceber qual é o verdadeiro desafio na pluralidade de situações circunstanciais?

É certo que nem tudo está perdido. Existem alguns padres e leigos que têm uma certa noção de tudo isso. A CNBB sem nenhuma dúvida conta com os mais qualificados assessores para estas e para outras questões.

No nosso contexto paroquial, alguns leigos percebem que a paróquia não é mais a mesma, sente que houve um retrocesso pastoral e que falta um certo respaldo ao trabalho desenvolvido há bem pouco tempo atrás na comunidade e que esse respaldo só acontecerá se eles obtiverem um grande apoio moral por parte dos padres, sobretudo o pároco, que precisará acompanhar, conhecer melhor e cada vez mais estes leigos para poder depositar neles sua confiança e confirmá-los perante a comunidade paroquial.

Esta falta de apoio moral ao leigo razoavelmente consciente das questões de ordem social, políticas e econômicas, faz com que os poucos leigos que podem contribuir para amenizar tal deficiência, se sintam esvaziados na ação pastoral paroquial que pouco ou insuficiente e imaturamente são levadas em conta na ação dos agentes de pastoral paroquial e também nas celebrações sacramentais. Assim é necessário pautar certas discussões e questionamentos embasados bíblico-teologicamente, sobre os problemas do quotidiano humano nas celebrações. Estas celebrações pois, têm sido mais uma simples preparação do católico para a morte, para o encontro definitivo com Deus, que para a instauração do projeto do Reino de Jesus Cristo na terra. Os poucos leigos que entendem que o espiritual não tem sentido sem a dimensão do social, não conseguem sentirem-se preenchidos espiritualmente com o atual modelo celebrativo e acabam desanimados, frustrados. É claro que o padre devido a sua tamanha ocupação, não pode sozinho saber o que se passa na sociedade local, conhecer os desmandos político-sociais, as artimanhas dos poderes públicos a serviço dos interesses dos que os exercem em nome do povo, mas não a serviço do povo etc. Assim, talvez seja uma saída razoável estimular, provocar, desafiar estes leigos para contar com a participação em todas as atividades e eventos paroquiais, desde as celebrações eucarísticas aos trabalhos pastorais. Retomar o esforço de voltar os momentos fortes das festas de padroeiro para evangelização ao invés de dar mais destaque a arrecadação monetária durante tais festas.

Particularmente, penso que uma segunda causa da perda do protagonismo laical nesta paróquia foi a falta do apoio moral por parte dos pastores para com os leigos que abraçaram a causa da desalienação e da cegueira paroquial e seu conseqüente atrelamento aos inescrupulosos poderes públicos. Esta falta de apoio é justificável, visto que com as constantes mudanças de padres, os sucessores, na sua maioria, não conheciam os motivos pelos quais alguns leigos se rebelaram contra a antiga aliança (paróquia e poder público) e também por terem constatado que alguns dos rebeldes utilizaram esta luta para obter proveito próprio, dificultando então ao pároco e/ou vigários paroquiais, separar dentre estes, joio e trigo.

Aos leigos desprovidos do senso crítico – que infelizmente são maioria – não soa bem ouvir de um outro leigo em par de igualdades de condições na estrutura eclesial, conclamar a comunidade paroquial a rever sua caminhada, romper com velhos costumes incoerentes ao cristianismo, aplainando os vales, pondo o machado na árvore improdutiva, preparando e abrindo caminhos para Justiça, a Verdade, o Bem Comum, enfim o Reino de Deus. Portanto se o padre, sobretudo o pároco, não endossar e realçar constantemente com bastante equilíbrio e maturidade as palavras questionadoras e as atitudes dos leigos que se puseram a caminho na tormentada estrada do profetismo, do anúncio e da denúncia, certamente estes leigos não conseguirão ser agentes de transformação social e logo serão engolidos pela indiferença dos irmãos paroquianos pouco catequizados e informados e serão vistos por estes como separatistas, briguentos, subversivos, vazios de espiritualidade... Assim os leigos conscientes e comprometidos não conseguirão, como pretendem, enquadrar-se naquilo que diz o documento de PUEBLA: “o leigo é um homem da igreja no coração do mundo e um homem do mundo no coração da igreja”.

Lembro aqui um fato vivido e provocado por mim, que chocou bastante esta comunidade paroquial. Embora tenha eu a convicção de que nada fiz contrariamente a minha missão e que era necessário que se fizesse tudo o que fiz, percebo que o profetismo laical foi abalado após uma palestra que proferi na Igreja Matriz, no dia 14 de agosto de 1999, data em que se comemorava a emancipação política da cidade e que coincide com os festejos do co-padroeiro São Roque. Naquela oportunidade, na presença de toda a comunidade, do prefeito municipal e do presidente da Câmara de Vereadores, questionei a passividade e a omissão dos católicos quanto às várias irregularidades, perseguições e inverdades cometidas e proclamadas pelos poderes executivo e legislativo municipais. Fui então interrompido e agredido pelo prefeito, presidente da Câmara de Vereadores e alguns católicos que os seguiram na tentativa de calar-me, tirando o microfone das minhas mãos, e de condenar-me naquele instante. Naquele momento difícil – menos para mim e mais para os padres que estavam no altar e para o restante da comunidade – a palestra foi finalizada sem ser concluída. O padre, meio atônito, zelando pela minha segurança, pediu-me para não continuar a reflexão. Em consideração a este pedido aceitei não continuar a reflexão, porém hoje estou ainda mais convicto de que deveríamos tê-lo enfrentado e mostrado que a igreja não pode servir aos interesses daqueles opulentos que exigiram e obtiveram da igreja naquele momento, mediante a intimidação covarde, a omissão da verdade que certamente os enfraqueceria. Os agressores indefensáveis e inimigos da verdade sentiram-se tão vitorioso que no dia seguinte foram com um número ampliado de seguidores (toda a bancada dos vereadores fiéis ao prefeito e mais os secretários municipais) para a residência do pároco a fim de exigir deste que nunca mais me deixasse proferir palestra na Igreja Matriz. Estes fatos, deixaram claro no inconsciente coletivo que o mal venceu e que tais questionamentos não competem aos cristãos e não competem principalmente, levantá-los dentro da igreja na presença da assembléia. As perseguições políticas contra minha família, nunca pararam até a presente data. Também até hoje, nunca mais me senti membro da comunidade paroquial. Sinto-me um freqüentador indesejável pela maioria das ovelhas do rebanho assíduo na igreja matriz da paróquia.

O fato de ter sido agredido pelos poderosos em nada me abalou, pelo contrário, me deu a certeza de que estava cumprindo com ardor e fidelidade a uma missão divina que me foi confiada naquele exato momento. Acho que senti o mesmo que Jesus sentiu quando estava na sinagoga e deram-lhe para ler um trecho do livro do profeta Isaías e ao terminar de fazer a leitura Ele disse aos presentes que naquele momento se cumpria aquela profecia que eles havia acabado de ouvir. Todas as citações bíblicas que utilizei para embasar os questionamentos e a postura da igreja e dos poderosos que ali se encontravam, também se repetiram naquele momento. Na verdade o que realmente me abalou foi a constatação de que uma boa parte dos paroquianos estavam preocupados com o prejuízo econômico que o fato poderia causar ao bom êxito da festa, pois as pessoas poderiam não mais fazer doações para o bingo realizado pelas comissões de festas de padroeiro, nem freqüentar a barraca de comidas e bebidas que angariava dinheiro para a festa. Para estes paroquianos, “bom êxito” numa festa de padroeiro, significa uma boa arrecadação financeira. A evangelização, portanto, vem num segundo plano.

A maior decepção, no entanto, foi quando levei pessoalmente ao bispo diocesano a referida palestra escrita e acompanhada do relato de tudo o que ocorrera. Na oportunidade eu participava, a convite do Sr. bispo, de um de seus programas na Rádio Sociedade de Feira de Santana abordando a vocação laical. Foi quando então lhe pedi, no ar, que lesse em casa com calma a referida palestra e o relato, analisasse e me respondesse corrigindo-me se houvesse cometido algum erro ou me confirmasse se agi corretamente. No dia seguinte estivemos juntos na Escola Diocesana para Leigos por cerca de duas horas e ele sequer tocou no assunto. Até hoje nunca recebi um único comentário seu a esse respeito.

Embora tenha falado bastante ou excessivamente da minha experiência, acho que ainda é necessário falar como este fato repercutiu nos outros leigos que atuavam como eu. Quando fui indicado para desenvolver um dos temas da Festa de São Roque no ano de 1999, alguns membros da comissão logo hostilizaram a proposta que mesmo assim foi acatada ou pela maioria ou pela autoridade do pároco que aprovou e defendeu a idéia. Depois daquela palestra, no entanto, com uma única exceção, nenhuma outra comissão subseqüente aceitou a hipótese de um leigo fazer reflexão de temas das festas de padroeiros em seus respectivos tríduos ou novenários. Meu nome foi tão hostilizado que outros leigos temeram sofrer a mesma hostilidade. Assim, cada nova comissão de festa foi pedindo ao pároco sucessor que trouxesse o padre fulano tal noite, um outro padre fulano na noite seguinte, aquele outro que o povo tinha saudade, um outro que se queria conhecer, argumenta-se que o povo quer novidades, que estas novidades enchem a igreja de fiéis, etc., etc. Isto no entanto, é a garantia que os padres que não são daqui, não conhecem a realidade nem as causas dos problemas e as corrupções dos opulentos locais, não incluirão na reflexão os problemas locais que só serão resolvidos se trazidos à luz perante o povo vitimado e desinformado sobre e pelos mesmos crimes sociais. Falta-lhes a coragem e o compromisso para realizar o que disse Jesus Cristo: “Não há nada de oculto que não venha a ser revelado. O que vos digo em segredo, gritai sobre os telhados...” Assim a paróquia imperceptivelmente foi ficando cada vez mais clericalizada e o protagonismo laical adormecido, abolido ou ainda, combatido. É bem verdade que ainda sou requisitado para trabalhos pastorais. Mas isso tem ocorrido quase que só para um público pequeno e seleto, que já tem uma caminhada mais consciente, como é o caso das turmas da Escola Paroquial de Leigos da qual sou um dos criadores. No entanto para a maioria dos freqüentadores de missas, rezas, dos mais carentes de formação catequético-social-política, etc, – que é a grande maioria dos paroquianos – eu fui exilado para um canto da minha própria paróquia e represento um perigo social, político, econômico e principalmente religioso pois a minha maneira de ver e de viver a religião católica pode afastar os “católicos” da igreja.

Vital Martinho Carneiro de Oliveira.

02/12/2002.



0 Comments:

Acessos