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sexta-feira, 11 de abril de 2008

Confortável não ser jurado

Por vezes, agradeço a sorte de ser impedido por lei de não integrar um Conselho de Sentença do Júri Popular.
Cheguei há pouco do fórum de minha cidade, após uma sessão do Tribunal do Júri, no qual trabalhei digitando todos os infindáveis termos, certidões, autos e sei lá mais o que. Gosto deste trabalho e sinto-me feliz por ser útil e por poder cumprir meu dever para com a população que me paga, mesmo quando a função que desempenhei hoje não seja especificamente minha. Contudo, se não negligenciei dela e ainda pude colaborar com meus colegas para fazer mais e melhor, isto me deixa feliz.
O que não me deixa confortável na verdade, é me imaginar na condição de um membro do conselho de sentença, ou seja, de um jurado. E juro que não é o desconforto físico, a obrigatoriedade de responder a uma convocação irrecusável da justiça, a sonolência que precisa-se vencer, a incomunicabilidade obrigatória, etc.
O que me perturba mesmo é imaginar que julgamento eu faria para quem comete tantos delitos que, muitas vezes, se vistos de forma fria, são classificáveis como hediondos, animalescos, monstruosos. Atitudes que precisam ser repreendidas. A sociedade, se quiser evitar a balbúrdia, a violência e a desordem total, precisa punir aqueles que se desvia do caminho da lei.
Por outro lado, como julgar com justiça e com o amor que perdôa e entende que este mesmo amor é sabedor da necessidade de punir?
A de hoje, foi a quinta sessão do Tribunal do Júri que já participei, sempre como serventuário e por sê-lo, graças à sorte ou à providência divina, fico impedido de ser um jurado. Como já disse, cinco sessões apenas e já foi o suficiente para sofrer de indignação. Indignação contra réus, contra o estado brasileiro e também contra a sociedade. Em todos os júris que participei encontrei elementos que me trouxeram indignação contra todos estes atores.
Fico imaginando como posso atender ao princípio de educar o infrator, aplicar-lhe uma pena pautado no amor à justiça e no zelo pela ordem quando o estado, que é a sociedade politicamente organizada, nega à grande maioria dos infratores as condições para que sejam íntegros cidadãos.
Talvez alguém esteja perguntando se estou fazendo arrodeios para defender criminosos que buscam na miséria sua justificativa para atuarem criminosamente.
Não, não é isso. Entretanto fico a me perguntar como podemos exigir urbanidade, civilidade, ordem e respeito estrito às lei de uma sociedade individualista, ignorante, acomodada e impiedosa, que nega a um indivíduo o direito à cidadania?
O que podemos esperar de um sujeito que perde o pai quando este ainda jovem foi assassinado violentamente e, segundo se crê, por envolvimento em atividades ilícitas? Que até os dezoito anos de idade não tinha sequer seu registro de nascimento, pois seu pai negou-lhe a paternidade? Que por isso mesmo, nunca pode freqüentar regularmente a escola? Que ainda criança foi jogado numa lata de lixo por sua mãe?
Não quero estender os trabalhos da defesa e não é possível prescindir da ação do Ministério Público, a quem cabe o espinhoso e igualmente honroso mister de apresentar a ação de homicídio contra o homicida.
O que realmente quero é que a sociedade entenda que por mais adequada que pareça a pena aplicada pelo juiz, baseada na decisão do Conselho de Sentença, a justiça não se completa ali. E cabe à sociedade (e quando falo em sociedade, falo mim e de você) tão indiferente à sorte dos que nasceram condenados a viver à margem da cidadania, ocupar-se todos os dias em discutir a realidade social, analisar teimosamente o que cabe a mim e a você fazer para mudar nossas atitudes, nossos conceitos, preconceitos, romper o pacto que fizemos com o comodismo e a indiferença (superlativo do ódio), para dar início a uma transformação social.
Não é a pena que educa, e sim a forma como ela é aplicada. Tenho certeza que muitas penas aplicadas a indivíduos nascidos na exclusão são merecidas primeiramente a sociedade que aplicou a quem já nasceu condenado pela omissão ou pela ação desta mesma sociedade.
Nem sei como concluir este texto, são tantas as indagações que me faço, que chego a pensar que a única conclusão a que me será possível atingir é que nunca será possível contentar-se com conclusão alguma, sem contudo apegar-se a isto para justificar a omissão. É preciso ocupar-se para sempre de questionamentos, meios e atitudes que levem a entender a responsabilidade e a graduação dela em cada um de nós. O debate não pode acabar nunca nem pode-se permitir que não saiamos dele. Debater e experimentar as conclusões nascidas a partir daí. Isso me parece indispensável.

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