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sábado, 5 de abril de 2008

Mártires que alimentam a minha fé

Com enorme alegria, após algumas postagens críticas e autocríticas sobre a Igreja Católica, posto hoje matéria sobre a Jornada dos Mártires em Roma. Talvez nesse pequenino rebanho estejam as jóias que Igreja ainda dispõe. Conhecendo o testemunho de Oscar Romero, bispo assassinado pela ditadura militar do El Salvador, minha concepção de mundo, de religião, de política e do Evangelho foi totalmente transformada. Caso alguém tenha interesse em assistir ao filme "Romero" que mostra a história, entre em contato que posso emprestar o DVD.


Jornada dos mártires em Roma recorda D. Romero e Marianella García


Adital - Por Arlindo Pereira Dias
Missionário do Verbo Divino. Membro do Conselho Geral da Congregação, vive em Roma desde setembro de 2006.


Após as celebrações da Páscoa, muitos cristãos em Roma fizeram memória dos 28 anos de martírio de D. Oscar Romero, 25 de Marianella García e os inúmeros mártires da caminhada ao redor do planeta. O evento organizado por associações, igrejas e congregações religiosas, contou com a presença de D. Demetrio Valentin, presidente da Cáritas Brasileira e bispo de Jales, SP, de Ana Ortiz Luna com um grupo de pessoas de El Salvador. A jornada teve inicio no dia 27 de março com a exibição do filme "Romero" e apresentação de testemunhos de El Salvador no auditório da Unicef em Roma.

No dia 28, no período da tarde, também aconteceram testemunhos e houve uma amostra fotográfica sobre a realidade de El Salvador. No mesmo dia, às 19 horas aconteceu uma celebração Ecumênica na Igreja São Marcelo ao Corso com a presença de mais de 350 pessoas entre religiosos e leigos. Em sua fala, D. Demetrio Valentin recordou que o martírio "dá um sentido autentico a toda a vida oferecida pelo bem do povo" e que "todos nós devemos empenhar a nossa vida a serviço do reino que o Cristo trouxe".

Ana Ortiz Luna, da coordenação das comunidades eclesiais de base de El Salvador deu um depoimento a respeito da realidade de seu país. Filha de catequista, teve seu irmão sacerdote, Octavio Ortiz Luna, o primeiro sacerdote ordenado por D. Oscar Romero, assassinado em 1979 pelas Forças Armadas. Logo depois aconteceu o mesmo com outros quatro de seus irmãos. A família necessitou fugir para Honduras para não ser dizimada. O sofrimento de tanta gente nos 12 anos de guerra "me chama, me motiva e me inspira a continuar trabalhando por um mundo melhor", comentou Ana.

A pastora Silvia Rapisarda que também fez uma reflexão a partir do protagonismo das mulheres no anuncio da ressurreição lembrou que os mártires "souberam tirar do Evangelho uma inspiração tão forte que foram capazes de dar até a própria vida pela causa da justiça". E ainda recordou que em um mundo tão idolatra como o atual os mártires tiveram a "capacidade de reconhecer o verdadeiro Deus e a coragem de contestar todos os ídolos". Após a celebração todos foram convidados ao salão onde foi oferecido um lanche e houve um momento de convivência fraterna.

No sábado, dia 29, pela manha uma mesa redonda sobre a caminhada da Igreja na América Latina à luz de Aparecida reuniu cerca de 30 pessoas em um salão da Igreja São Lino. Rosa Mendes, uma brasileira de Feira de Santana, BA, há 17 anos vivendo em Roma, fundadora da Associação de Mulheres Brasileiras na Itália partilhou sua experiência de migrante e as iniciativas de promoção da mulher migrante na cidade de Roma na área de apoio jurídico e pequenos projetos que valorizem a profissão que já exerciam no Brasil. Em seguida D. Demetrio fez um apanhado dos principais momentos do encontro do CELAM no ano de 2007 em Aparecida e os principais desafios que brotam da Conferencia. "Os valores do Evangelho que a Igreja da América Latina por graça especial de Deus, assumiu de maneira tão espontânea, tão profunda, tão autentica, não devem ser perdidos", reiterou. Às 19 horas D. Demetrio Valentin presidiu a Eucaristia na mesma comunidade.

Na manhã do domingo, 30 de março, houve uma procissão que saiu da Praça Mastai em direção a Igreja Santa Maria della Luce, no conhecido bairro de Trastevere em Roma, que acolhe as comunidades Latino-Americana e Brasileira para suas atividades. Durante o caminho foram recordados momentos importantes da vida de Marianella Garcia.

Na Igreja foi apresentado um vídeo sobre a luta de Marianella na defesa dos direitos humanos em El Salvador. Durante a missa D. Demetrio animou os migrantes a serem testemunhas do Cristo Ressuscitado neste continente Europeu. "Os migrantes precisam se sentir profetas das transformações urgentes que precisam acontecer no mundo inteiro", conclui o bispo.

Para Inês Terezinha Manfrin, paranaense, três anos em Roma, da equipe de acolhida e voluntária da comunidade Brasileira, o evento foi muito importante por recordar pessoas que não tiveram medo da verdade e "deram a vida para anunciar o Evangelho, exatamente o que estamos vivenciando neste período de páscoa". Gianni Novelli, do CIPAX (Centro Interconfessional pela Paz), uma das entidades organizadoras se disse muito contente com a participação das pessoas. "É um grande sinal de vida, esperança, memória e, sobretudo trabalho em favor da justiça", sublinhou.

A jornada será concluída no sábado, 5 de abril, com um convenio que rebordará Marianella e seus irmãos tendo por tema "Dar a vida pelos direitos humanos em El Salvador", na Universidade de Roma.

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A seguir, leia:

1) Entrevista com Ana Ortiz Luna, líder das comunidades eclesiais de base de El Salvador;
2) com a Pastora Silvia Rapisarda, da Igreja Batista Italiana

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"Mártires: sinais da justiça e da igualdade; tão difíceis e tão necessários em todo o mundo", diz Ana Ortiz

Entrevista com Ana Ortiz Luna

Ana Ortiz Luna é líder das comunidades eclesiais de base de El Salvador. Vem de uma família camponesa cujo pai era catequista. O irmão sacerdote, Octavio Ortiz Luna, primeiro sacerdote ordenado por D. Oscar Romero, foi assassinado em 1979 pelas forças armadas de El Salvador. Alem do irmão padre, foram assassinados outros quatro de seus irmãos durante o período da guerra. Durante a jornada, Ana nos concedeu uma entrevista.

Como se deu o assassinato de teu irmão, P. Octavio?
Ana Ortiz: No dia 19 de janeiro de 1979 meu irmão estava realizando um retiro espiritual com 35 jovens na paróquia Santo Antonio Abade, em San Salvador. Na madrugada do dia 20 de janeiro um tanque do Exercito entrou no bairro disparando por todos os lados. O meu irmão, P. Octavio saiu para ver o que ocorria e foi baleado, depois de caído o tanque ainda passou sobre a sua cabeça. Os jovens se revoltaram e quatro deles também foram assassinados neste mesmo dia. Octavio foi o primeiro sacerdote ordenado por D. Oscar Romero.

Você teve contato pessoal com D. Oscar Romero?
Ana Ortiz: Sim, eu o encontrei quando foi celebrar missa no Departamento de Liberdade. Minha irmã trabalhava naquela cidade com um padre belga, com quem mais tarde estive trabalhando por dez anos. Ali tive a oportunidade de conhecê-lo quando vinha para as festas do padroeiro. Ele tinha uma simplicidade que nem sempre se encontra hoje. Aquele carinho, aquela amizade de pastor com o povo simples. Muitas pessoas que o conheceram dão testemunho desta relação fraterna com o povo pobre, com os humildes. D. Romero era totalmente entregue e próximo das pessoas.

Porque tua família teve que migrar para Honduras?
Ana Ortiz: Em 1980 o Exercito entrou em nossa cidade e iniciou um massacre. Eles diziam ser uma base de guerrilha, num tempo em que a guerrilha ainda não estava organizada naquele lugar. Em 1979 assassinaram meu irmão e em 1980 a um outro irmão. Meu pai era catequista. Para o governo eram os catequistas que estavam incitando e instruindo as pessoas. Eles representavam perigo. Minha família não pode continuar na casa onde vivíamos e fugiu para Honduras. Fizeram uma caminhada de uma semana para chegar ao refugio.

Que sentimentos vem à tona em uma família com tantos mártires?
Ana Ortiz: Sobretudo um compromisso com a causa de Jesus e dos nossos irmãos, que não deve acontecer apenas pelo fato de termos mártires na família. Não temos que esperar chegar a isso para adquirir consciência. Em El Salvador existe tanta gente que deu sua vida. Isso nos inspira, nos motiva e nos da força para seguir em frente nesta luta, neste caminho que aprendemos, de acompanhar o povo buscando soluções e fazendo prevalecer os valores do Reino de Deus, da justiça e da igualdade; tão difíceis, mas tão necessários em todo o mundo. Com esta inspiração cristã que trazemos queremos construir algo de novo em nosso pais.

O que mudou na vida de vocês a partir da presença de D. Romero como bispo?
Ana Ortiz: Antes de D. Oscar Romero a religião era concebida de outra forma. D. Oscar Romero nos ajudou a entender que ser igreja não é somente freqüentar o templo, os sacramentos, mas também estar no meio do sofrimento, estar no meio do povo buscando alternativas, construindo idéias e projetos que em meio ao sistema de morte gerem vida e esperança às pessoas. Já não se faz uma separação entre fé e vida. Percebemos que temos que nos envolver em temas relacionados à política. A vida deve ser considerada em toda a sua integralidade. A pessoa humana està no centro como imagem de Deus e temos que defender o direito das pessoas, o ser humano todo em sua integridade.

Quais são os grandes desafios para El Salvador hoje?
Ana Ortiz: As CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) fizeram toda uma trajetória de caminho, de historia, de ir mudando a mentalidade de que as coisas, os sofrimentos devam ser aceitos com resignação porque essa é a vontade de Deus. Uma mentalidade que ainda prevalece, sobretudo nas pessoas mais idosas. Há vários anos temos formado lideranças. Começou-se uma coordenação mais ampla para a formação de catequistas e agentes de pastoral das zonas rurais porque muitas vezes a distancia não permite que os sacerdotes cheguem a todas as pessoas, esquecidas não só pela igreja, mas também pelo governo. Assim fortalecemos a esperança e damos sinais através de pequenos projetos, pequenas iniciativas que saem das comunidades mesmas. São pequenos projetos que ajudam as pessoas a manter viva a esperança. No aspecto cristão ainda existem tentativas de fechar os espaços que se abriram com D. Romero.

Qual é a realidade de El Salvador hoje?
Ana Ortiz: Ainda prevalece a violência no pais. O Instituto Médico Legal fala de 8 a 10 homicídios por dia. Existe uma violência institucional, camuflada. Temos agora o fenômeno das "pandillas" (quadrilhas). Estamos em uma época pré-eleitoral e a instituição utiliza essas "pandillas" para reprimir os militantes políticos. Há um temor neste período pré-eleitoral porque mataram a um prefeito e uma trabalhadora por motivos políticos. Teme-se que o estado também utilize as "pandillas" para aterrorizar o povo e possa gerar a mesma coisa que aconteceu no ano passado na Guatemala.

Poderia nos falar um pouco de quem foi Marianella Garcia Villas?
Ana Ortiz: Não a conheci pessoalmente, mas lendo os livros sobre ela, eu a senti muito próxima. Os testemunhos que ouvi causam admiração por sua posição firme na defesa dos direitos humanos das pessoas. Um trabalho levado a cabo por uma mulher que tinha boas condições de vida. Descer e assumir a causa dos pobres para mim é um motivo de inspiração também. Todos estamos chamados, ainda mais como cristãos, a defender a esses que Jesus defendia, os pobres. Para mim Marianella é motivo de inspiração, da memória histórica que não podemos esquecer. Não podemos deixar de lado, pois isso seria trair o sangue de todos os nossos caídos. Marianella era uma mulher muito valente que se propôs a fazer algo até o ponto de dar a própria vida. A isto estamos chamados, a lutar, a sacrificar nossa vida, a ver até onde podemos chegar. Não devemos perder de vista o rumo, o caminho que devemos seguir.

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"Mártires, capacidade de reconhecer o verdadeiro Deus e coragem de contestar todos os ídolos", diz pastora.

Entrevista com a Pastora Silvia Rapisarda:

Na sexta-feira, durante a celebração ecumênica na Igreja de São Marcelo al Corso a pastora Silvia Rapisarda, da Igreja Batista Italiana fez uma bela reflexão a respeito do protagonismo das mulheres no anuncio da ressurreição. Na entrevista a seguir ela falou da importância dos mártires na vida da Igreja.

O que motiva uma pastora a estar presente nesta jornada dos Mártires?
Silvia Rapisarda: A pastora vem pregar uma palavra de ressurreição, a Jesus Cristo que dá força na luta pela paz, na busca da justiça. Nós olhamos aqueles que souberam tirar do Evangelho uma inspiração tão forte que foram capazes de dar até a própria vida pela causa da justiça. Olhamos essas pessoas como exemplo. Celebramos o nosso Deus que é o Deus deles, é o Deus comum que celebramos. No exemplo deste irmão Romero e esta irmã Marianella, somos fortalecidos pela fé que eles nos deixaram.

Que ligação você faz entre os primeiros mártires em Roma e os mártires de hoje?
Silvia Rapisarda: A ligação é feita em relação à oposição ao poder da injustiça e da morte, ao sistema de opressão, que ainda se faz presente na historia. Embora mudem de face, possuem sempre o mesmo propósito que é aquele de ocupar o posto de Deus, de reduzir os outros seres humanos e a criação de Deus em objetos a serem controlados e dominados. O que é comum aos mártires de qualquer tempo é a capacidade de reconhecer quem é o verdadeiro Deus e a coragem de contestar todos os ídolos, os "mamonas" de todos os tempos, de todos os lugares.

[A entrevista feita com Dom Demétrio Valentini está em: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=32374]


Fonte: http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=32375

2 Comments:

Anônimo said...

Caro Vital Martinho, gostaria muito de estar assistindo o filme de Dom Oscar Romero, como podemos fazer para voce me mandar uma copia do seu DVD, pago todos os custos, meu email é wwjunior@msn.com.br. Muito obrigado.

Marcelo Nardaci said...

Sou catequista de adultos e estou muito interessado no filme Romero para passar para os meus catecumenos.
Como poderia conseguir com vc uma cópia deste DVD?
Meu email é mnardaci@gmail.com

Abçs e fique com Deus.

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