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domingo, 13 de abril de 2008

Como surgiram as FARC's?

Qualquer pessoa minimamente informada já se deparou várias vezes com notícias sobre um grupo guerrilheiro que tira a paz e o sossego da Colômbia, seqüestrando e matando pessoas comuns, políticos, turistas e principalmente produzindo, industrializando e vendendo cocaína para o mundo inteiro.

O que eu, particularmente, nunca vi nem ouvi, foi os jornais, revistas ou telejornais fazerem uma única reportagem para esclarecer qual a origem das Farc's, como, quando e porquê surgiu. Qualquer teórico da comunicação vai se apegar, ideologicamente, às explicações do intelectual canadense Marshal McLuham para explicar o porquê dessa criminosa omissão.

Segundo McLuham, a TV é um meio de comunicação iconográfico (mostra apenas o ícone e não verdadeiramente o fato em sua completude), que atua na modalidade indicial, ou seja, trabalha apenas com o princípio jornalístico de que num dado local ou circunstância acontece, em algum momento alguma coisa. Portanto mostra apenas o indício de que algo está ou esteve acontecendo ali. E como mostra apenas o indício, ocupa-se apenas com o fragmento e não com o histórico, com a orígem, o porquê, o contexto, as condições ou as razões do ocorrido. Desta forma, fica consagrada a imposição da ideologia de que as FARC's são apenas um grupo de criminosos que moram nas selvas colombianas.

Por conta disso, e porque graças a Deus, não sou um meio de comunicação "indicial nem iconográfico" e portanto, tenho condições de me incomodar com isso, após uma pequena pesquisa virtual na internet, achei uma sucinta matéria que nos dão meio que "enciclopedicamente" um fio de luz para compreender um pouco o que é, como nasceu e porque nasceu o movimento colombiano chamado de FARC's.

Para tanto, vali-me da reportagem de Claudia Jardim, de Caracas (Venezuela) e publicada no portal da Agência Brasil de Fato, transcrita abaixo.


Sessenta anos após “Bogotazo”, conflito continua na Colômbia

Há 60 anos, o som de quatro disparos à queima roupa mudaria a história da Colômbia. Era uma sexta-feira, 9 de abril de 1948. Jorge Eliécer Gaitán, líder do Partido Liberal e principal líder da oposição, caminhava no centro de Bogotá acompanhado por três amigos. Um jovem barbudo, se aproximou do grupo e sacou um revólver. Gaitán teria recuado, tentado regressar ao edifício de onde havia saído minutos antes. Já era tarde.

"Mataram Gaitán, mataram Gaitán”, começou a gritar um, logo outro, até que a frase se transformou em um coro uníssono na capital do país. Se iniciava a rebelião popular conhecida como “El Bogotazo”.

O assassino, Juan Roa Sierra, não pôde escapar. Foi arrastado pelas ruas enquanto era linchado pela multidão enraivecida e levado ao local em que acreditavam que estaria o autor intelectual da morte do líder opositor: o Palácio de Governo de onde despachava o presidente do partido Conservador Mariano Ospina Pérez.

Favorito às eleições presidencias de 1950, com um programa para “restaurar a moral da República”, Gaitán prometia democratizar a terra, estimular a educação pública, tornar o voto obrigatório, reconhecer a igualdade de direitos à mulher, entre outras reformas. Era tempo de bipartidarismo em que os partidos Conservador e Liberal disputavam o controle político do país.

"Colômbia travava uma guerra entre duas tribos, na qual mataram um dos chefes”, sintetizou o historiador Marco Palacios ao diário venezuelano El Nacional.

Fidel Castro

O assassinato de Gaitán impediu um encontro. Gaitán receberia às duas da tarde deste dia um dos estudantes latino-americanos que estava reunido em Bogotá em um evento paralelo à 9ª Conferência Interamericana, que tinha como figura central o general estadunidense George Marshall, que pretendia fincar em Bogotá a política estadunidense de combate ao comunismo na América Latina.

Quando o então estudante, Fidel Castro, deixa seu hotel em direção ao local onde encontraria Gaitán, escuta os gritos e o estardalhaço da rebelião que se iniciava. Carros, edifícios, igrejas e tudo o que poderia representar o governo conservador seria destruído ou queimado.

¡°Aquela gente começou a correr em todas as direções e a gritar que haviam matado Gaitán. Gente da rua, do povo, divulgando velozmente a notícia. Em pouco tempo, começaram as manifestações de anarquia, quebrando vidros e saqueando. Se respirava um ambiente de irritação na massa. Não era uma agitação organizada e sim essas coisas que ocorrem espontaneamente”, relatou Castro anos depois.

A multidão reinvindicava a renúncia do presidente. Os “gaitanistas”, uma das correntes do Partido Liberal, pretendiam transformar a revolta em revolução. A resposta foi a repressão. Dezenas de milhares de pessoas seriam mortas a partir deste dia. Se iniciava uma guerra que, até hoje, não tem data para terminar.

Começa a guerra

Com a eminente derrota nas eleições presidenciais de 1950, o partido Conservador indicava já não acreditar na via eleitoral. A violência, incrementada após o Bogotazo, já marcava a vida dos camponeses no interior do país. "Pedimos que cesse a perseguição das autoridades. Assim o pede esta imensa multidão. Pedimos uma pequena e grande coisa: que as lutas políticas se desenvolvam pelo leito da constitucionalidade”, discursou Gaitán, cercado por milhares de pessoas durante uma manifestação realizada meses antes de seu assassinato.

Em resposta à violência dos latifundiários conservadores, a partir dos anos de 1940 começaram a conformar-se os primeiros núcleos de autodefesas camponesas que anos depois se convertiriam em guerrilhas.

"As pessoas se armavam com velhas escopetas, revólveres antigos e todos os implementos de guerra que encontrassem. Os trabalhos do campo eram abandonados devido à violência que já não permitia que as pessoas se dedicassem ao trabalho. Surge a solidariedade entre conterrâneos, entre companheiros de luta, entre perseguidos”, descreveu Manuel Marulanda ou "Tirofijo", o nome de guerra de Pedro Antonio Marín, principal comandante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), ao relatar o nascimento das autodefesas camponesas, em seus “Cadernos de Campanha”.


Primeira célula das Farc

Levados pela violência a abandonar suas terras, dezenas de camponeses passaram a colonizar a zona selvática colombiana, abrigando o nascimento da primeira célula das Farc, que tinham como braço político o Partido Comunista Colombiano.

De um grupo de autodefesa que contava com umas poucas dezenas de camponeses, a guerrilha se constituiu em uma organização político-militar. Passou a inflar suas filas com novos recrutas e formá-los na cartilha marxista-lenista, sob a reivindicação da tomada do poder para transformar a então conservadora estrutura em um Estado democrático, orientado pelo resgate das terras para os camponeses, controle dos recursos naturais, educação e saúde universais.

"A origem das Farc é absolutamente camponesa. Marulanda é um velho camponês que não teve nenhum contato com o mundo urbano, é um homem absolutamente rural”, afirma Jorge Luis Botero, jornalista colombiano, autor do livro “Últimas notícias da guerra”.


ELN e M-19

Paralelamente às Farc, se constituiram o Exército de Libertação Nacional (ELN) e a já extinta guerrilha M-19.

Em uma etapa posterior, as Farc se consolidam como a maior guerrilha do país, estruturada como um Exército e autônoma. A chamada economia de guerra vinculada à produção de cocaína, extorsões, cobrança de impostos e mais recentemente os sequestros, garantiam a guerrilha a manutenção de um Exército que na década de 1980 somava 30 mil guerrilheiros, de acordo com dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz).

"Este desenvolvimento das Farc culmina com a pior crise do Estado colombiano, que foi a crise da narcopolítica. Nesse ambiente de guerra, as Farc aparecem como uma força militar e uma bandeira política. Esse foi seu ponto máximo”, afirma Camilo González, ex-membro da guerrilha M-19, presidente do Indepaz.


Extermínio da União Patriótica

Em 1980, as Farc iniciam um processo de negociação para um acordo de paz com o governo de Belisário Betancour, no qual seria criado um movimento de oposição que permitiria que a guerrilha fosse incorporada paulatinamente à via institucional. As condições que permitiam o trânsito à legalidade era o pleno respeito aos direitos políticos dos integrantes da recém conformada União Patriótica (UP) e a realização de uma série de reformas democráticas que permitiriam o pleno exercício de seus direitos civis.

Em 1984, se iniciou um processo de perseguição, assassinatos e desaparições forçadas dos membros da UP. Estima-se que 5 mil militantes, entre eles dezenas de dirigentes políticos foram assassinados ou desaparecidos pelas mãos de paramilitares ou do Exército regular.

O extermínio da UP incide ainda hoje na análise das Farc sobre uma possível saída política para o conflito colombiano. “Símon Trinidad (do secretariado das Farc, condenado a 60 anos de prisão nos EUA) me disse uma vez: ‘Temos dois nuncas: nunca esqueceremos o que aconteceu com a UP e nunca vamos deixar as armas. Isso nunca vai acabar’” sentenciou Trinidad, de acordo com o jornalista J orge Botero.

Nesse período, de acordo com Camilo González, o incremento da pobreza nas zonas rurais, provocada pela bancarrota da economia camponesa – que substituiu o milho e o feijão pelo cultivo da coca e da papoula – tornou as guerrilhas e os grupos paramilitares uma fonte de “emprego” para os jovens do campo.

"Houve uma 'mercenalização', muitos se incorporaram à guerrilha como modo de vida e com o crescimento militar a formação política foi ficando de lado”, afirmou González.


Reféns

Após o ostracismo vivido depois do fracasso das negociações de paz do Caguan (1998 a 2000) e do crescente rechaço dos colombianos a práticas como o sequestro, em agosto de 2007, as Farc lançam uma nova estratégia para construir uma plataforma política internacional, em uma tentativa de compensar o debilitamento interno dos últimos anos.

A guerrilha abre os canais de diálogo com o governo de Álvaro Uribe para um acordo humanitário intermediado pelo presidente da Venezuela Hugo Chávez que prevê a libertação de um grupo de sequestrados políticos em troca de 500 guerrilheiros presos.

"As Farc precisavam fechar o capítulo desse grupo de reféns. Estavam traçando o caminho, mas Uribe tampouco quer deixar. Uribe os tem encurralados e diz que as coisas são à sua maneira”, avalia Camilo González.


Plano Colômbia

O Plano Colômbia, principal instrumento do governo Uribe no combate à guerrilha deverá alcançar cifras recordes para este ano. Financiado pelos Estados Unidos, o plano deverá alcançar os US$ 9 bilhões de dólares, o equivalente a 5,6% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com um estudo realizado pelo pesquisador em Direitos Humanos, Ivan Cepeda.

O bombardeio realizado pelo Exército colombiano no Equador, dia 1º de março, que resultou na morte de Raúl Reyes, principal interlocutor do acordo humanitário, congelou as possibilidades de novas libertações de reféns. Depois disso, as Farc anunciaram que a entrega unilateral, como a de seis reféns libertadas no início deste ano, não se repetiriam.

"Uribe está convencido que pode derrotar militarmente a curto prazo às Farc. Ele acredita que sua estratégia está funcionando e portanto não abrirá espaços de diálogo ao acordo nem ao diálogo internacional porque não convém à sua estratégia”, avalia González.


Mais 60 anos?

A guerra que já dura 60 anos, cobra anualmente a vida de 10 mil pessoas, de acordo com dados do Indepaz. Convencido de que pode derrotar a guerrilha, Uribe insiste na via armada. Além do acordo humanitário, as Farc não indicam um caminho diferente.

O jogo está trancado. Para o jornalista colombiano Jorge Botero, a projeto político defendido pelas Farc, de tomada de poder pela via armada é “utópico” e “inviável” no atual contexto latino-americano e interno colombiano. “ É um caminho absolutamente inviável do ponto de vista militar, não só porque a conjuntura latino-americana é desfavorável a este cenário, mas também porque não há como desequilibrar a balança de tal forma que possam chegar ao poder como chegou Fidel e seus barbudos”, avalia Botero.

Para Camilo González, do Indepaz, a maioria dos colombianos já não entende a razão de ser da guerra e responsabilizam principalmente a guerrilha pelo conflito. A seu ver, as Farc não possuem atualmente uma bandeira programática pela qual lutam.

"O que pensam dos problemas reais do povo colombiano, o que propõe? Ninguém sabe o que pensam sobre nenhum dos temas que inquietam as pessoas no cotidiano. A bandeira deles é de auto-reivindicação e não deixam ver seu programa político, que sim existe, mas ninguém mais recorda quais são as razões da sua luta”, afirma González.

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/especiais/equador-colombia/sessenta-anos-apos-201cbogotazo201d-conflito-continua-na-colombia

1 Comment:

Anônimo said...

Muito bom o seu texto. É realmente interessantíssimo ver as coisas por um outro lado, uma vez que a mídia se limita a informações superficiais. Obrigada (:

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