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terça-feira, 25 de março de 2008

Encarando a vida de um jeito diferente

O texto a seguir foi resultado de um trabalho solicitado pela disciplina Oficina Literária. Foi exigida a elaboração de um conto. Por pura falta de criatividade para inventar uma história, resolvi contar nos moldes contista uma história real que aconteceu comigo. Hoje vai o conto, depois postarei a história de forma descritiva e convencional. É mais um texto do meu banco de dados.

O Conto do vigário?

Era a penúltima noite do novenário e como em todos os anos os devotos se espremiam disputando espaço nos bancos da igreja. Além dos festejos em louvor ao santo acontece, concomitantemente, o aniversário de emancipação política da cidade. A missa ainda está incluída como atividade deste último evento.

Até pouco tempo, a paróquia gozava de excelente relacionamento com a administração pública que pagava as despesas paroquiais em troca de eloqüentes e freqüentes elogios e agradecimentos em público da parte do pároco, em todas as ocasiões sobretudo nas indispensáveis festas de padroeiros. Agora, as coisas já não são mais como antes. Apesar dos xingamentos e das calúnias com que ataca os padres através da imprensa, o prefeito está acompanhado pelo presidente da Câmara de Vereadores e pelo secretariado municipal. Foram rezar naquela missa pelos 71 anos de emancipação política de Riachão do Jacuípe. A Filarmônica, a postos, já fazia sua apresentação dando maior brilho à festa. Um coro de vozes conduzia os fiéis durante os cantos cuidadosa e previamente ensaiados pela comunidade para aquela ocasião.

Dentre o povo, alguém cochichava prazerosamente sobre a presença das autoridades no recinto.

- O prefeito fez as pazes com o padre?!

- Acho que ele está aproveitando da festa pra mostrar ao povo que apesar de xingar o padre, ele também é católico e quando sobra tempo, vem à missa.

- É... Pode ser, afinal ano que vem tem eleição e ele sabe que o outro prefeito perdeu a eleição passada porque brigou com a igreja.

- Pelo sim, pelo não, é melhor assim. Afinal, dizer no programa dele na Rádio Sisal, que o padre é vigarista, ministro de satanás e que fica excitado quando lembra dele, já foi longe demais.

- É... mais o padre também provoca. Fica falando que o prefeito persegue o povo que não votou nele, que atrasa o pagamento dos funcionários da prefeitura, que não paga o salário mínimo, faz campanha pros deputados dele invadindo as capelas das comunidades pra botar energia solar sem autorização da paróquia... até por isso ele fala do prefeito.

- Na verdade, eu acho que a raiva do prefeito não é tanto do padre. Ele tem raiva mesmo é de Martinho.

- Eu também acho. Parece que o padre faz o que esse sujeito manda. Aliás, não é só esse padre d’ agora não, com o outro que foi embora era a mesma coisa ou pior!

- Tirando o padre de Coité, nenhum outro padre da região fala de política. O padre de Gavião, o de Serra Preta, até o Cura da Catedral de Feira de Santana são grandes amigos dos prefeitos de suas cidades.

- Só em Riachão e Coité que existe essa briga da igreja com a prefeitura.

- Eu vi padre Marcelo Rossi dizendo no programa de Faustão que não acha certo padre falar de política.

- Os padres da Rede Vida, da Canção Nova, só falam do evangelho, de Deus, de pecado, ensinam rezar o terço, corrente de oração...

- Tu ta certa, só os padres de Riachão e Coité falam de política. Por isso que o prefeito mandou eles ir aprender rezar missa com Pe. Marcelo Rossi.

- Por isso também que a turma do prefeito de Coité vestiu uma batina num cachorro, botou um crachá com o nome do padre e soltou o bicho nas ruas da cidade.

O cochicho de Maria Santa e Antônia Pia foi interrompido quando o padre fez a invocação à Santíssima Trindade e introduziu o Ato Penitencial.

Quase todas as noites havia um padre de fora para fazer a pregação. Não vendo nenhum que fosse estranho, Maria Santa imagina que algum dos padres da paróquia vai pregar naquela noite. O clima é de apreensão. Todos especulam o que vai acontecer.

Desde que o padre velho foi embora a paróquia não é mais a mesma. Ao invés de ensinar o povo a rezar, de confessar os fiéis, fazer grandes missões como antigamente; os padres novos falam de corrupção, falam mal do prefeito, dos vereadores, e usam a Bíblia para isso. Dizem que na Bíblia, Jesus e os profetas fizeram tudo isso. Assim sendo, a tônica de suas pregações é a justiça social, a opção pelos pobres, a solidariedade, estimula o povo se envolver na política, se candidatar, alertam que política é coisa santa, que se distanciar da política é contribuir com a politicalha, que quem reza demais não tem tempo ou esquece de praticar as virtudes, etc.

Após entoar o Glória, deu-se início à Liturgia da Palavra. Foi lida a profecia de Amós: “Eu detesto e desprezo as festas de vocês; tenho horror dessas reuniões.(...) Longe de mim o barulho dos seus cantos (...). Eu quero, isto sim, é ver brotar o direito como água e correr a justiça como riacho que não seca”.

Maria Santa, mais uma vez, cutuca Antônia Pia e pergunta:

- Será que isso tá na Bíblia mesmo?

- Se tá, eu nunca li.

- Depois vamos perguntar a Seu Manelito, que já leu a Bíblia toda, se tem isso mesmo na Bíblia. Qual foi mesmo o livro dessa leitura?

- Foi o livro do Profeta Amós, capítulo 5, os versículos eu não lembro.

A desconfiança daquelas senhoras aguça ainda mais a imaginação, e a pergunta sobre o que vai acontecer naquela noite está estampada na fisionomia apreensiva dos fiéis.

- Depois que o padre velho foi embora, esse já é o segundo padre que vem pr’aqui e parece que são iguais. Só sabem falar de Bíblia, se botar política pelo meio.

- Qual é o tema da noite de hoje?

- Deix’eu ver aqui no cartazinho da festa. É... “IGREJA ELETRÔNICA X IGREJA COMUNIDADE DE IRMÃOS SOLIDÁRIOS”.

As mulheres continuam seu cochicho até quando se anuncia a proclamação do Evangelho.

- Com um tema desse, o Evangelho deve ser esquisito igual a leitura.

- Presta atenção quem é o evangelista, o capítulo e versículo pra gente conferir em casa.

­Enquanto cochichavam, o padre anunciava o Evangelho narrado por Mateus, capitulo 23, versículos 13 a 36. Após o Evangelho, é a hora da pregação. A apreensão cresce. Antônia Pia mais uma vez cochicha com Maria Santa.

- Será que o padre viu que o prefeito tá aí?

- Só não viu se for cego! Ele tá bem no banco da frente.

- E será que ele vai falar de política hoje, ou vai ficar quietinho?

- É hoje que a gente vai saber se esse padre é macho mesmo!

E começa a proclamação do Evangelho.

“Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês exploram as viúvas, e roubam suas casas, e para disfarçar fazem longas orações! (...) Vocês percorrem o mar e a terra para converter alguém, e quando conseguem, o tornam merecedor do inferno duas vezes mais do que vocês. (...) Vocês pagam o dízimo da hortelã, da erva-doce e do cominho, e deixam de lado os ensinamentos mais importantes da Lei, como a justiça, a misericórdia e a fidelidade. (...)”.

Após a proclamação do Evangelho, a assembléia apreensiva, quase que chocada, responde o Glória a vós, Senhor! Segue um instante de silêncio que mesmo breve, parece uma angustiosa eternidade. O que será agora? É hora da pregação. Por que este silêncio? É a pergunta que ocorre a todos. Tamanha era a apreensão, que ninguém percebeu que o coroinha, ao dirigir-se à mesa do presbitério levando de volta a vela utilizada no ritual da proclamação do Evangelho, embaraça-se no fio, desconectando o plug do microfone. A agonia permanece enquanto o padre espera, silenciosamente, que se restabeleça a conexão.

Restabelecida, quebra-se o silêncio.

- O Concílio Ecumênico Vaticano II, que revolucionou a liturgia da Igreja, também conferiu aos leigos o protagonismo da evangelização. Estamos celebrando a festa de São Roque, um santo leigo. Assim, hoje, quem nos dirigirá a mensagem da pregação, será um leigo desta comunidade.

Uma grande sensação de alívio e relaxamento toma conta da assembléia, até que o padre chama ao microfone o palestrante.

Nunca houve trégua tão mesquinha, tão curta, mal deu tempo respirar. Toda a agonia se renova redobrada quando o padre chama o leigo Martinho para dirigir a mensagem à comunidade.

Antônia Pia e Maria Santa, que imaginam que o prefeito tem mais raiva desse sujeito que do padre, mesmo sem saber que Nietzche já havia dito coisa parecida, concordam que não existe classe mais habilidosa na arte da vingança que a sacerdotal. Justo no dia em que o prefeito está na Igreja esse sujeito é escalado pelo padre para fazer pregação.

Enquanto as duas mulheres se entreolham e conversam com seus botões, Martinho toma posse do microfone e cantando, invoca o Espírito Santo.

Ao fim da invocação, para surpresa e imediato alívio de todos, serenamente Martinho saúda os presentes, incluindo as autoridades – sem nominá-las – e inicia a reflexão.

Aos poucos, começa a usar a tática do morcego, assopra para morder em seguida.

1 Comment:

Anônimo said...

GOSTARIA DE SABER O FINAL DA HISTÓRIA, POIS, O INÍCIO E O MEIO SÃO UMA ÓTIMA OBRA DE ARTE - APESAR DE SABER QUE VOCÊ NÃO GOSTA DE SER ELOGIADO.

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