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quarta-feira, 2 de julho de 2008

O pior inimigo de Chávez

El Vigía, estado venezuelano de Mérida, alta madrugada. Termina mais um dia de trabalho de um comerciante de autopeças numa das cidades mais “chavistas” da Venezuela.

Em El Vigia, à diferença do que aconteceu no conjunto do país no fim do ano passado, foi aprovada a reforma constitucional proposta por Hugo Chávez. Aqui, o presidente venezuelano jamais perdeu uma eleição. E o mesmo se repete na maioria das regiões agrícolas do pais: Chávez ainda é imbatível nessas regiões devido aos investimentos maciços que seu governo vem fazendo em agricultura.

Vim aqui, não para vender, mas para encontrar uma forma de receber o pagamento de uma exportação que a nova empresa para a qual passei a prestar serviços fez há cerca de dois anos. Devido a uma tecnicalidade, o Cadivi, órgão que administra o controle cambial venezuelano, impediu meu cliente, um declarado e conhecido antichavista, de pagar o que deve àquela empresa.

O controle cambial foi implementado em 2005 devido a uma greve na PDVSA (estatal venezuelana de petróleo) desencadeada pela oposição a Chávez, em retaliação à sua vitória no referendo revogatório convocado por essa mesma oposição no ano anterior.

A greve na PDVSA, em 2005, afundou a economia venezuelana e gerou uma incontrolável fuga de divisas (dólares) do país. Chávez, então, implantou o controle cambial, não apenas para impedir a sangria de divisas, mas para submeter economicamente seus opositores, que três anos antes haviam tentado um golpe de estado contra ele. E num país que não fabrica nada, comerciante que não tem dólares para importar, está frito.

Devido à guerra civil virtual que ainda vige na Venezuela, o controle cambial nunca mais foi levantado. Em parte, permanece para impedir que os ricos, em sua totalidade contrários ao governo, sangrem o país transformando seus bens em dólares e remetendo-os ao exterior, mas em parte constitui um dos vários “castigos” impostos pelo chavismo aos seus opositores.

Alguns poderão ficar chocados com algumas coisas que escreverei, pois não farei só elogios a Chávez, mesmo apoiando tantas de suas políticas. Tenho críticas reais a fazer a ele. Mas só ficará chocado quem não me conhece direito. Para os que me conhecem, surpresa seria se eu abdicasse de me render ao que é correto para não prejudicar minhas opiniões políticas e ideológicas.

É claro que Chávez enfrenta uma oposição desvairada tanto quanto Lula, Evo Morales e tantos outros mandatários de esquerda latino-americanos. É claro que a verdadeira sabotagem e o golpismo latente praticados pela mídia privada e pela oposição venezuelanas geram uma situação política distinta. Um presidente que chegou a ser seqüestrado por seus opositores não pode tratá-los a pão-de-ló. Contudo, o uso do poder do estado para retaliar inimigos políticos é uma conduta que não posso aceitar.

Um exemplo desse uso do estado para retaliar inimigos é o que está fazendo aqui o equivalente venezuelano ao Tribunal de Contas brasileiro, o “contralor”. Sob acusações de mau uso de dinheiro público, o “contralor” decretou a inelegibilidade de um número de políticos oposicionistas incompatível com uma situação em que governos de oposição ao governo central são ínfima minoria. E, “coincidentemente”, os que foram tornados inelegíveis são os oposicionistas que aparecem nas pesquisas eleitorais como favoritos na eleição de governadores e prefeitos que ocorrerá em novembro deste ano na Venezuela.

Por essas e outras medidas suspeitas é que Chávez perdeu, sim, parte do enorme apoio que tinha antes da derrota que sofreu no referendo do ano passado, quando viu ser derrotada sua proposta de reforma constitucional, que lhe permitiria candidatar-se à reeleição quantas vezes quisesse. Contudo, a perda de apoio que sofreu está longe de ser a que a mídia brasileira relata. Chávez, segundo o cliente que vim visitar aqui – um antichavista convicto, porém civilizado –, seria reeleito hoje com grande facilidade, ainda que com votação um pouco menor.

O que sustenta Chávez são seus programas sociais, que socorreram – esta é a palavra – milhões de venezuelanos pobres. Nesse contexto, um caso do qual tomei conhecimento nesta viagem mostra bem por que o presidente da Venezuela desfruta de apoio ainda tão forte. Um dos funcionários do cliente que mencionei é um sexagenário que estava ficando cego por estar com catarata. O homem nem estava trabalhando mais. Meu cliente, compadecido de sua situação, continua lhe pagando o salário assim mesmo.

A cirurgia de que o homem precisava custa cerca de 2 mil dólares e meu cliente se propôs a pagar metade do valor e emprestar ao funcionário a outra metade. Foi quando o homem decidiu buscar uma unidade da “missão bairro adentro”, programa social chavista que leva atendimento médico aos bairros pobres. Foi operado sem gastar um tostão.

Parece-lhe pouco? No Brasil, pode ser. Mas na Venezuela anterior a Chávez, benefícios como esse, concedidos pelo estado, eram impensáveis.

Quem nunca esteve na Venezuela dificilmente conseguirá dimensionar o que a parte pobre desta sociedade sente por Chávez. Tratado pela mídia privada daqui da Venezuela, daí do Brasil, enfim, de todas as partes do continente americano como se fosse um “ditador” e um psicopata, Chávez é idolatrado pela população pobre da Venezuela. Acreditem em mim quando digo que ele chega a ser visto como um homem santo entre praticamente toda a população pobre deste país.

Hugo Chávez, definitivamente, não é um santo. Porém, sua passagem pelo governo da Venezuela terá mudado para sempre este país. E para muito melhor. O povo venezuelano é hoje um dos mais politizados do planeta. Chego a ter vergonha dos brasileiros nesse quesito, em comparação com os venezuelanos.

No dia em que Chávez deixar o poder, provavelmente em 2012 – se não conseguir aprovar, mais adiante, a possibilidade de se candidatar de novo à presidência –, deixará um país que terá passado a exigir dos políticos o que talvez nenhum outro povo latino-americano exige. Contudo, o fantástico projeto de Chávez está ameaçado por sua crença em que o fim justifica os meios. O pior inimigo que ele precisa vencer – e que nunca venceu, até aqui –, é a si mesmo.


Por Eduardo Guimarães

Fonte: Cidadania

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