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terça-feira, 22 de julho de 2008

A LIÇÃO DE ANTÔNIO JOSÉ DA SILVA, O PIUAÍ

Dia 21, na Avenida Paulista, encontrei o Brasil que admiro e me orgulho. Ele não vestia gravatas. Era formado por jovens, velhos, homens e mulheres, pretos e brancos que se juntaram espontaneamente para lutar por uma Justiça decente e transparente. De todos os brasis que vi e ouvi no democrático megafone do Movimento dos Sem Mídia, quero falar do Brasil representado pelo "Piauí", um criativo artista de rua. Ele viu nossa 'muvuca', cuja organização começou pela rede, com informes trocados a partir do Edu Guimarães do Cidadania.com. Éramos cerca de 200 internautas que indignados acordamos cedo neste sábado para sair às ruas e protestar contra um certo Gilmar.

Piauí tem uma história de vida rica que se a gente parar para ouvir se enternece, emociona-se e aplaude. Antes de convidá-lo para se juntar à manifestação ouvi suas considerações. Falávamos da Justiça Brasileira, quando uma senhora passante se juntou a nós e perguntou quem era Gilmar (o Dantas ela sabia que era uma bandido rico).O Gilmar mais conhecido dos brasileiros é o dos Santos Neves, o goleiro que segurava todas, autor de defesas memoráveis na seleção brasileira e que nos garantiu o bi-campeonato nas Copas de 1958 e 1962. Já o Gilmar que nos indigna na atualidade não guarda semelhança alguma com o seu xará espetacular, que nos enchia de orgulho cada vez que defendia a camisa verde-amarela.

Este que nos envergonha é o Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal. Este Gilmar não agarra uma bola, é juiz, mas só entra em campo para jogar contra a camisa. Lá da Corte maior da Justiça Brasileira, na calada da noite, ele dá serão para soltar banqueiros que enriqueceram sugando recursos públicos, corrompendo políticos sem caráter e lavando dinheiro em paraísos fiscais. Este Gilmar, motivo de nossa repulsa, passa por cima de craques como o juiz De Sanctis e o Grandis e só defende aqueles com muito dinheiro, mesmo que amealhado de modo ilícito e criminoso. Voltemos ao nosso encontro com o Brasil, representado pelo Piauí. Segurávamos, eu, Mamá, Clóvis e outro internauta indiganado cartazes com palavras de ordem que nós produzimos ali no vão do Masp enquanto a moçada se organizava. Buscávamos chamar a atenção dos passantes para a nossa manifestação, ampliar o apoio à indignação.

Piauí mora em um bairro pobre da zona Norte, Jardim Vista Alegre, e me contava dos seus inúmeros amigos, pais de família que, por motivos bobos, (como roubar um shampoo, um pote de margarina ou mesmo sem cometer crime algum como o Sandro) mofam nas cadeias de nosso país, enquanto seus filhos são criados soltos nas ruas. Piauí é um homem negro, bem magro, seu corpo mostra o preparo daqueles que tentam ganhar a vida nas ruas, caminhando longas distâncias de onde vivem para os centros onde buscam vender suas mercadorias. Os fiscais da prefeitura (aqueles mesmo envolvidos em uma máfia que recentemente tomou os noticiários) tomaram todos os seus apretechos de trabalho, porque ele não ganha o suficiente para lhes pagar as proprinas exigidas.

Ele já morou embaixo da ponte e hoje contrariando o senso comum e preconceituoso de que os pobres abandonam seus filhos à própria sorte e não se preocupam com a educação deles (reproduzido por uma classe média alienada que ocupa as instituições privadas e públicas e que não conhece a periferia) participa da associação de Pais e Mestres da Escola República da Colômbia, no Jardim Vista Alegre. Ele quer fazer a diferença na escola em que sua filha estuda, ele deseja que ela e as crianças do Jardim Vista Alegre tenham garantido o direito de ter acesso à boa educação. Sua contribuição é ensinar às crianças como se expressarem a partir da arte, mas ele quer mais, ele quer que as crianças tenham direito de dançar, cantar, aprender bem o seu idioma e uma língua estrangeira e tudo que lhes dê chance de continuar a batalha da sobrevivência.

Piauí encantou a todos e deveria dar curso à classe média que abriu mão de seu papel cidadão. Uma dada hora ouvi ele dizer a uma advogada encantada: sabe qual é o grande problema? Os seus filhos vão para uma boa escola, crescem, se formam, os meus não. Pode ser que se encontrem em um farol, um dentro do carro e o outro pedindo esmola e um mate o outro.

Pode parecer hardcorde a constatação nua e crua de Piauí, mas ela não está longe da verdade. Piauí não apenas vê e sente em sua pele negra os problemas que afetam a comunidade onde vive. Ele busca cotidianamente resistir, ser sujeito de sua história e agir contra a sistemática exclusão destinada a ele e todos os demais Piauí e seus filhos. Convidei Piauí pra se agregar a nós com o 'troféu' que ele confeccionou para entregar aos representantes corruptos nos Três Poderes. Foi sobre as desigualdades a tônica do discurso de Piauí que se apropriou do megafone dos Sem Mídia e abriu sua fala dizendo: Vocês sabem por que o Cacciola desceu rindo do avião? Por que ele sabe que vai ficar pouco tempo na cadeia e em cela especial. Eu sou contra as pessoas educadas terem celas especiais. As pessoas educadas, como o juíz Lalau, sabem o que estão fazendo, conhecem a lei, tem informação e formação, seus crimes são, assim, maiores que dos ladrões de galinha. Os mais bem educados tinham obrigação de agir bem. Por que então quando cometem um crime (e raramente são presos) têm acesso à cela especial?


Piauí e todos os brasileiros pobres de nosso país sabem que nossa Justiça é classista no corpo da lei: ela pune duplamente os pobres, os sem instrução superior, os sem equipes de advogados que já ocuparam os altos postos da Corte Suprema como o ex-ministro do STF, Luis Carlos Lopes Madeira, um dos inúmeros advogados de Daniel Dantas. A Justiça classista brasileira confina os pobres como bichos em jaulas super lotadas, sem condições mínimas de higiene e saúde, sem chance alguma para reabilitação e os esquece para mofarem, 'mortos em vida'. Já para os Dantas, Nahas, Cacciolas ela é pródiga em benefícios e benesses e, muitas vezes, incapaz de puni-los e devolver aos cofres públicos os recursos lesados por esses bandidos de colarinho branco. Piauí sabe que a escola de sua filha não tem os recursos que poderia ter, porque existe corrupção e porque os que estão no poder e desejam combatê-la são boicotados, em contra-discursos pautados nas redações para confundir e não informar a população.

Piauí sabe que os mesmos que, há décadas, roubam os cofres públicos em operações complicadas neste país, querem empurrá-lo para marginalidade, mas ele resiste e diz: 'eu não quero ser como eles'. E amplia sua voz no megafone argumentando: se a corrupção existe da forma que existe é porque permitimos, é porque não exercemos nosso poder de cidadania; é porque nos próximos mega showmícios tem gente lá pra aplaudir e eleger aqueles que só conhecem a periferia em época de campanha. Por isso, essa manifestação não pode parar aqui, a gente tem de continuar, ampliar, até sermos ouvidos. Piauí em nossa festa democrática ensinou a muita gente o que é cidadania, o que é ver e ser visto sem preconceitos, o quanto é importante exercer o direito de se manifestar livre e pacificamente. Ensinou até ao cinegrafista da Globo que, ouvindo a nossa conversa, depois comentou: "Quem olha pra esse cara não dá nada por ele".

Fonte: Vi o Mundo.

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