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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Por quem ardem as favelas


 
Eles são quase todos negros, desdentados, maltrapilhos. Moram em arremedos de casas que para abrigar animais já seriam impróprios. Desdentados, sujos, sem saberem se expressar, olhos sempre avermelhados, lábios rachados, unhas malfeitas, pés calejados, cabelos desgrenhados, almas dilaceradas...
Eu sinto dor por eles. Dor mesmo. Penso em cair numa situação dessas. Mesmo não sendo o caso, penso em como sofrem e sofro junto. Não posso evitar. Sinto um aperto no peito. Os olhos ficam marejados. Não agüento.
Sou sincero. Não agüento mais ver tanta injustiça, tanto sofrimento, tanta violência.
E não é porque pobre é naturalmente malvado e gosta de viver perigosamente em áreas de risco, porque gosta de se expor à morte a cada dia, a cada hora, a cada mês e ano, mas porque não tem alternativa, pois quem deveria se ocupar de seu calvário são as autoridades que os acusam.
É revoltante.
E depois ainda dizem que são sujos, que atiram muito lixo na rua. Dizem isso com asco. Se lhes pudessem ver as caras, veriam bocas retorcidas e cenhos franzidos, num esgar de horror repugnado.
E aquelas crianças passando mal com a fumaça, e suas jovens mães desconsoladas e seus pais perplexos, e seus velhos entregues e quase que implorando por um fim piedoso numa cama quente, se possível sem sentir dor.
Onde estão os seres humanos?
Por que o governo do Estado não reduz suas peças publicitárias dizendo de seus trens virtuais de metrô dos quais só veremos a cor daqui a dois ou três anos e cuida desses coitados doando a eles aquela área, e lhes levanta pelo menos os barracos que lhes foram queimados pela décima quarta vez neste ano?
Porque não se pode ter um pingo de compaixão por esses compatriotas de outras partes do país que vieram buscar esperança entre nós?
Porque são negros?
Porque têm sotaque?
Porque são desdentados?
Porque são maltratados pela vida?
Porque não nos podem servir em nada?
Não precisamos adotá-los. Basta concordarmos que algum dinheiro dos nossos impostos lhes seja facultado numa situação de calamidade.
Eles não são loirinhos
Eles não têm olhinhos claros
Não vestem roupas de grife nem usam perfumes do free-shop.
Não nos podem convidar para festas bacanas
Nem conseguirem empregos para um de nossos filhos
Mas são gente como nós. Têm sangue vermelho nas veias.
Se agredidos, sagram. Se magoados, sofrem.
Precisamos repensar esta sociedade, meus caros. A todos vocês que me lêem, digo-lhes com pureza d’alma: não basta cobrarmos a direita. É preciso dar o exemplo. Temos que ser mais solidários, a classe média favorecida que é quem lê coisas como as que escrevo aqui.
Vocês podem achar que não, mas são de classe média favorecida.
Vocês não vivem em barracos pendurados em encostas de terra movediça
Eles não tocam fogo nos seus barracos porque vocês não vivem em barracos
Eles não batem em vocês, a polícia deles não os espanca, vocês não são sujos ou desdentados
Os mais favorecidos têm que se propor à solidariedade. Temos que exigir um programa do Estado e apoiar que seja custeado com nossos impostos para estabelecermos a paz social no Brasil. Tenho certeza de que até os mais ricos entre todos os ricos adorarão viver em um país pacificado.
Eduardo Guimarães

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