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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Samuel e a estratégia

Por Mauro Santayana

O presidente Lula pretende conhecer os termos do acordo que permite a Washington manter bases militares no território colombiano. A leitura do texto não será suficiente para conhecer a extensão do convênio. É comum a existência de cláusulas secretas. Além disso, a flexibilidade, no cumprimento de qualquer acordo, em geral favorece a parte mais forte.

A atitude de Lula, no entanto, vale por duas razões. Ela manifesta a natural desconfiança do continente, de que, com todas as declarações em contrário de Uribe e Obama, os Estados Unidos estejam usando do pretexto das drogas e das Farc para manterem suas tropas na América do Sul. A experiência demonstra que o problema das drogas só se resolverá quando se combater o seu consumo, e não a sua produção. O maior mercado de consumo é o dos Estados Unidos. Se um dia não houver um só arbusto de coca no mundo, nem uma só papoula, outras drogas serão sintetizadas, a fim de produzir o mesmo efeito da cocaína e da heroína, além das que já estão no mercado. Quanto às Farc, trata-se de um problema interno da Colômbia. Elas só serão um problema para os vizinhos, se os seus combatentes ultrapassarem as fronteiras. Nesse caso, cabe ao país violado tomar as medidas que considerar adequadas.

A presença americana na Colômbia, por mais que nos expliquem as suas razões, continuará exigindo os cuidados do Brasil e de todos os outros vizinhos. A longa história de intromissão dos Estados Unidos na América Latina rejeita ilusões. A única forma, real e objetiva, de conter o ímpeto imperialista dos Estados Unidos, que faz parte de sua mitologia nacional, é dispor de poder de dissuasão. Além da doutrina do Destino Manifesto, há o grande interesse dos fabricantes de armas, o complexo industrial militar denunciado por Eisenhower em sua despedida do poder. Depois de um dos períodos mais desastrados da política externa, em que o fascínio pelos estrangeiros mais poderosos e o desdém pelos menos poderosos chegaram ao paroxismo, o Brasil recupera a postura que tem predominado ao longo dos quase dois séculos de independência: a da afirmação serena de sua soberania, sem arrogância e sem concessões unilaterais. Muito do êxito obtido pelo chanceler Celso Amorim, na retomada da linha histórica da diplomacia brasileira, se deve ao embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que, ao atingir a idade limite, teve que se afastar da secretaria-geral. Samuel é um dedicado estudioso das questões nacionais, entre elas, como é de seu ofício, as relações com o mundo, obstinado patriota e coerente em suas ideias. Por isso o demitiram, no governo anterior, de suas funções de diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais do Itamaraty, por ordem direta de Fernando Henrique Cardoso, pelo fato de opor-se ao Alca. Hoje, quando vemos a situação do México, podemos imaginar o que seria do Brasil se firmássemos aquela ata de vassalagem.

O bom momento que o Brasil vive se deve, em grande parte, a essa postura. Não fomos ao mundo pedir, nem exigir, mas dizer o que pensamos e o que pretendemos. O bom convívio entre as nações, grandes e pequenas, depende do respeito a determinados princípios, alguns deles imemoriais e outros construídos pela necessidade histórica. Entre eles, o de não interferência nos assuntos internos dos estados independentes. É, assim, importante a presença do embaixador Pinheiro Guimarães à frente da Secretaria de Assuntos Estratégicos, que tem nível ministerial. Samuel é, ao mesmo tempo, homem de pensamento e de ação, e irá ocupar as suas funções com a mesma diligência com que atua na secretaria-geral do ministério.

O novo ministro tem, diante de si, desafiadora tarefa. Entre as questões estratégicas prioritárias se encontram a situação da Amazônia, a reforma agrária, a legitimidade dos títulos de propriedade fundiária em todo o país, e o crime organizado. O combate ao tráfico de drogas, ao contrabando, ao suprimento de armas aos grupos de criminosos não pode ser deixado apenas aos órgãos de repressão, pressionados pela urgência dos fatos. É necessário o exame do problema dentro do conjunto geral da civilização contemporânea. Devemos partir da visão teleológica, mas, ao mesmo tempo realista, de que os estados nacionais existem para promover a felicidade de seus cidadãos. A felicidade se consegue com a justiça, a saúde, a educação, o trabalho e, mais do que tudo, a dignidade – atributos que distinguem os homens na natureza.

Fonte: Coisas da Política - JBonline

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