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domingo, 14 de setembro de 2008

Olimpíadas Vocacionais





Domingo passado tivemos o encerramento dos Jogos Olímpicos de Pequim. Foram mais de quinze dias de competição. Alguns recordes foram quebrados. Houve muito choro de alegria, mas também muitas lágrimas de tristeza, quando atletas viram frustrados os seus sonhos de subir ao pódio. A grande maioria dos atletas não ganhou medalha. Contentou-se em participar. Voltou para casa feliz da vida por ter ido a Pequim e por ter tomado parte em um evento tão significativo.

Os Jogos Olímpicos nos ajudam a compreender a vocação cristã. Aliás, por ser uma experiência de milênios, eles já aparecem no Novo Testamento como referencial de avaliação para a caminhada vocacional. O apóstolo Paulo faz diversas referências aos jogos olímpicos. Pode ser que ele mesmo tenha presenciado alguns deles, durante as suas andanças pela Grécia. Aos coríntios ele recorda as corridas nos estádios, onde todos correm, mas somente um leva o prêmio. Propõe que todos corram, impondo-se uma ascese rigorosa, a fim de receber uma coroa imperecível. Alerta, porém, para o risco de correr “às cegas”, de dar “golpes no vazio” e, depois de tanto esforço, ser eliminado (1Cor 9,24-27).

Na Carta aos Romanos Paulo também faz uma referência aos jogos olímpicos para afirmar que no cristianismo a lógica não é a do mérito pelos esforços, mas a da misericórdia de Deus (Rm 9,16). Aos gálatas, que haviam se desviado do evangelho por ele pregado, Paulo fala do risco de correr em vão (Gl 2,2). E, sem meias palavras, afirma que eles estavam correndo bem, mas ao optar por outro evangelho, agora estão correndo inutilmente (Gl 5,7). Por fim, com os filipenses, partilha a alegria de suas conquistas, dizendo que eles são o sinal de que ele não correu em vão (Fl 2,16). Na segunda Carta a Timóteo há uma referência não aos jogos, mas aos combates que se davam nos estádios entre gladiadores (2Tm 4,7). E, segundo os Atos dos Apóstolos, no discurso aos presbíteros em Mileto, Paulo usa a imagem das corridas nos estádios para falar do objetivo da sua “carreira”: anunciar o evangelho da graça (At 20,24).

Vivemos em tempos de competição e de carreirismo. Também dentro das Igrejas, inclusive na Igreja Católica Romana. Depois de um tempo de “primavera eclesial” trazida pelos ventos do Vaticano II, assistimos nos últimos anos a uma corrida pelos “primeiros lugares” (cf. Lc 14,7-8) e pelo desejo de ser “visto pelos homens” (cf. Mt 6,5). A cultura midiática colabora com isso, pois em tempos de comunicação pela imagem todos querem aparecer. “A TV é o mundo”, disse-nos Baudrillard. Numa época em que a “boa aparência” é o que conta, cada vez mais aumentam na Igreja as franjas e as filactérias (Mt 23,5), mesmo que por dentro delas estejam “ossadas de mortos e impurezas de todas as espécies” (Mt 23,27), como, por exemplo, os desequilíbrios sexuais e a pedofilia. Lembro de um papo que tive com uma pessoa que trabalha numa rede de televisão católica. Ela me dizia da terrível competição que ocorre nos bastidores, pois os que ficam por trás das câmeras não se conformam com isso e querem, a todo custo, aparecer diante dos holofotes.

E para aparecer vale tudo: desde as roupas extravagantes até as bobagens, as asneiras e heresias que diariamente são proclamadas solenemente nos programas radiofônicos e televisivos, sem que nenhuma eminência ou excelência se incomode com isso. São caçados e punidos somente aqueles que se esforçam para traduzir o Evangelho de Jesus numa linguagem simples e que pode contribuir para a real libertação dos pobres e excluídos. Tudo que liberta e ameaça a posição dos privilegiados é censurado.

Diante de tal realidade é importante reafirmar que nas “olimpíadas vocacionais” do Evangelho a lógica é bem diferente. Não se corre para ficar nos primeiros lugares e nem para fazer carreira eclesiástica. Corre-se para servir e para ficar cada vez mais próximo dos últimos, dos lascados da Terra, dos excluídos. A “ascese rigorosa” de que fala Paulo (1Cor 9,25) nada tem a ver com formas masoquistas de vida e nem tão pouco com estilos rigorosos de penitência que, tantas vezes, não passam de maneiras disfarçadas de “satisfazer a carne”, ou seja, de chamar a atenção sobre si (Cl 2,16-23).

Nas olimpíadas vocacionais do cristianismo treina-se e corre-se para acolher com simplicidade de vida o dinamismo da encarnação do Verbo e assumi-la como estilo permanente de vida. Em tais olimpíadas o escondimento e a normalidade são as regras principais (Fl 2,6-11). A coroa imperecível está em fazer-se tudo para todos, em compartilhar “a fraqueza dos fracos para ganhar os fracos” (1Cor 9,22). Nas corridas das olimpíadas vocacionais do Evangelho são completamente eliminados dos jogos aqueles que correm com a finalidade apenas de obter glórias, comportando-se como “inimigos da cruz de Cristo” (Fl 3,18-19).

A ascese, o treinamento, o tratamento duro dado a si mesmo, nada tem a ver com a negação da beleza da vida. Tem a ver, sim, com uma ruptura que rejeita de modo radical um estilo de vida baseado nos títulos, nas honras e nos méritos. A ascese vocacional é uma reviravolta na qual tudo isso não conta mais. Nas olimpíadas vocacionais do Evangelho os títulos, as honras, os méritos, as medalhas (cf. Fl 3,4-6), tornam-se, no dizer de Paulo, skúbalon (Fl 3,8), ou seja, “pura merda”. O meu professor de exegese paulina na Universidade Gregoriana de Roma, o jesuíta Ugo Vanni, não tinha nenhum pudor ao traduzir dessa maneira o termo grego! Mesmo que isso pudesse ferir ouvidos sensíveis e escandalizar mentes puritanas.

Infelizmente, em nossas Igrejas, há muita gente brigando por skúbalon. Há lutas e competições terríveis pelos cargos, pelos títulos, pelas melhores paróquias, pelas batinas coloridas, pelas arquidioceses, etc. etc. Ainda não percebemos que é preciso perder tudo, considerar tudo “uma merda”, como amam repetir os mineiros e os paulistas. Nas olimpíadas vocacionais evangélicas não alcançamos a chegada, mas somos alcançados por Cristo (Fl 3,12). Aliás, não há chegada porque continuamos a caminhar (Fl 3,13-15). E para ganhar Cristo e ser alcançado por ele não há outro modo a não ser o de fazer descer pela descarga muitas coisas que ainda consideramos importantes. Os vocacionados e vocacionadas para o Reino precisam ser educados acerca dessa verdade evangélica. Do contrário correm o risco de correr em vão e de no final receber da “justiça que vem de Deus” (Fl 3,9) uma taça cheia de “skúbalon”!

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