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sexta-feira, 17 de julho de 2009

Quem aprova o julgador

Por Mauro Santayana
O sistema de aprovação, pelo Senado dos Estados Unidos, dos juízes da Suprema Corte, como todos os atos humanos, não é perfeito, mas é bem superior ao nosso. O exame das ideias e da biografia dos candidatos é longo, cauteloso. Trata-se de decisão política, submetida, como todas as outras da mesma natureza, aos interesses sociais que os parlamentares representam. Mas, sobre os mesmos ritos que se processam entre nós, traz – até pela sua duração – a vantagem de ser acompanhado, dia a dia, pelos cidadãos. Advogados e juízes, intelectuais, jornalistas e grandes homens de negócios, além de trabalhadores atentos, seguem a arguição, e expõem, normalmente, sua própria opinião por intermédio dos jornais e, hoje, da internet. Quem irá julgar é previamente julgado, em nome do povo. A juíza Sotomayor, que está sendo ouvida há dias (a inquirição continuará em agosto), tem sua vida e atos, como advogada e juíza federal, sob o escrutínio dos senadores. Os conservadores temem que a provável juíza da Corte Suprema se deixe influenciar por sua militância juvenil, e buscam assegurar-se de que estarão ideologicamente protegidos. Eles avaliam, ainda, a origem familiar hispano-americana e a condição feminina da candidata. Relembraram afirmação sua, em discurso de 2001, de que “a wise latina” estaria em melhores condições de julgar do que o homem branco. O adjetivo wise, que vem do substantivo sânscrito veda (visão), significa muitas coisas, da sabedoria à prudência. Cabe discutir se é mais importante a um juiz o profundo conhecimento da lei ou o senso da prudência, que o sofrimento pode oferecer. A Suprema Corte dos Estados Unidos é tribunal político. Ela se arrogou essa condição com a declaração de que lhe cabe arbitrar os dissídios entre os outros dois poderes, na famosa e conhecida decisão de John Marshall no caso de Marbury versus Madison. A essa autoatribuição muitos se opuseram, entre eles o presidente Andrew Jackson, para quem os chefes dos outros dois poderes são iguais no direito de interpretar a Constituição, de acordo com sua própria razão e consciência. O nosso STF segue a mesma trajetória da Suprema Corte, como tribunal constitucional. Sendo um colégio político, sua constituição é de natureza política. O presidente da República indica os nomes dos candidatos de sua escolha ao Senado – que sempre os aprova. A diferença entre lá e aqui é ponderável. Aqui, normalmente, o candidato é aprovado pela Comissão de Justiça em uma só sessão, e o plenário sempre o confirma. Os cidadãos não têm como conhecer devidamente a biografia e as ideias dos postulantes, dada a celeridade do processo. Nos Estados Unidos, a participação da cidadania é tradicional. Essa participação se exerce na pressão direta dos eleitores sobre os senadores e mediante os chamados formadores de opinião. Tal como o axioma famoso de Jaspers (só aprendemos de filosofia o que de fato já sabemos), ninguém forma a opinião alheia – apenas pode confirmá-la com as informações e argumentos que pareçam corretos. Esse exame público tem o efeito de conter os arroubos inovadores de alguns postulantes. Há inúmeras propostas para a reforma do Poder Judiciário no Brasil, principalmente no caso do mais alto tribunal. Há os que sugerem mandatos definidos e outros que pretendem a vitaliciedade absoluta, como ocorre nos Estados Unidos. Outros aconselham que só devam ser nomeados para o STF os que ingressarem na magistratura como juízes de primeira instância e tenham atuado nos tribunais intermediários. Hoje, qualquer advogado, tenha ou não feito carreira na magistratura, pode ocupar o cargo. Uma coisa é absolutamente necessária: a exposição, pública e minuciosa, do candidato, com sua biografia, suas ideias, sua visão da sociedade e, em tanto quanto possível, seus sentimentos.Já que devemos reparar as clamorosas falhas de nosso sistema republicano, podemos, sem preconceitos, promover a reforma do Poder Judiciário, de modo a tornar mais transparente e legítima a composição dos tribunais superiores, principalmente do STF. Nunca teremos um Supremo Tribunal absolutamente isento e imparcial. As leis só servem para amparar as decisões que os magistrados tomam, no inviolável recinto da própria consciência. As sentenças podem ser justas ou injustas, e não há como evitar erros de julgamento. Como todas as coisas humanas, o ato de julgar é sempre impreciso. Por isso é importante que a discussão pública, durante a sabatina, legitime, de alguma forma, os escolhidos.

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