Na semana passada, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o ministro de direitos Humanos, Paulo Vanucchi, participaram de evento patrocinado pelo Ministério da Justiça no qual outros ministros, professores, advogados e representantes de entidades da sociedade civil defenderam a criação de uma alternativa jurídica para a Lei da Anistia, de 1979. A teoria que fundamenta a questão levantada por Genro é perfeita e se coaduna com processo que, apesar das diferenciações que se busca fazer, vem ocorrendo em outros países, que, a exemplo do Brasil, sofreram sob ditaduras militares entre as décadas de 1960 e 1980. Essa teoria que fez o ministro da Justiça levantar a questão dos crimes contra a humanidade cometidos durante o regime militar brasileiro é, em suma, a de que a repressão e a prisão de ativistas políticos e de contra-revolucionários era uma política de Estado, amparada pela lei, enquanto que a tortura e os assassinatos, não. Eram, pelo contrário, crimes “comuns”, cometidos à revelia do que a lei vigente permitia. Com efeito, o Ato Institucional número cinco (AI-5), que suspendeu várias garantias constitucionais dos cidadãos, por exemplo, ou qualquer outra medida oficial da ditadura que previsse censura, dissolução do Congresso e outras arbitrariedades, todas estavam amparadas pela lei, ainda que impostas de forma antidemocrática. Todavia, assassinar, torturar e estuprar nunca foram ações das forças repressoras do Estado sequer reconhecidas por seus autores, os generais-presidentes, quanto mais reconhecidas em lei. Se a lei não amparava os crimes de torturas e de assassinatos cometidos pela ditadura, foram crimes de essência política, mas de tipificação legal “comum”, sendo passíveis, portanto, de punição pelas leis ordinárias em vez de resguardados pela Lei da Anistia. Essa, inclusive, é uma visão apoiada pela maioria dos juristas, menos por aqueles que se envolveram com a ditadura, como o “jurista” de plantão da imprensa de direita, Ives Gandra Martins, hoje professor da Universidade Mackenzie, de São Paulo, que faz coro, por exemplo, com um dos signatários do AI-5, o coronel reformado do exército Jarbas Passarinho. A teoria dessa corrente, que acabou contaminando setores da sociedade que, por razões variadas, preferem “acomodar” os crimes da ditadura, é a de que "Do ponto de vista constitucional, não haveria como a Lei da Anistia ser revista” porque teria sido “Absoluta, para os dois lados”. O que significa isso? É que os contra-revolucionários que enfrentaram o regime militar e que, por sua vez, também cometeram crimes como o de seqüestro, assassínio e roubo foram igualmente anistiados e, portanto, os crimes dos dois lados estariam equiparados. Constitucionalmente, à luz de qualquer fundamento jurídico, segundo dizem especialistas como Cristiano Paixão, doutor em direito e professor da UnB (Universidade de Brasília), como o também doutor em direito pela UnB José Geraldo de Sousa Júnior, ou como Oscar Vilhena Vieira, pós-doutor em Direitos Humanos e professor da FGV, essa teoria é absurda porque não se pode requerer de pessoas físicas o que se requer do Estado, pois o Estado não morre, é perene e tem que se responsabilizar sempre quando seu poder é usado de forma ilegal. Sendo assim, o que está em questão são os crimes cometidos por ocupantes provisórios de um Poder da República que jamais poderiam se equiparar aos grupos contra-revolucionários que enfrentaram a ditadura. Em suma: o Estado não pode delinqüir ou ser anistiado. Terá sempre que ser cobrado quando for usado de forma ilegal. Porém, há muita gente que tem ganhado primazia na mídia para se opor à punição dos assassinos, estupradores e torturadores do Estado. Os meios de comunicação que pediram e apoiaram o golpe militar de 1964, tais como o Estadão, os Globos, a Folha e outros, trataram logo de fazer prevalecer “pareceres” em prol da “acomodação” das coisas a fim de “não reabrir feridas”. A “boa” e velha imprensa do eixo São Paulo-Rio, acusada de dar apoio logístico à ditadura militar, andou publicando uma torrente de manifestações até de membros do próprio governo Lula, como o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e de juízes da Suprema Corte em apoio à tolerância da impunidade de montes de torturadores que, nos últimos anos, chegaram a dar entrevistas à imprensa dando detalhes das técnicas de tortura que usavam, e sem que jamais fossem incomodados pela Justiça. Nesse universo revoltante de ausência de qualquer senso mínimo de cidadania e de Justiça, colhi duas cartas de leitores publicadas por um dos jornais da ditadura, a Folha de São Paulo. Vejam o discurso que a imprensa está fazendo prevalecer: Sobre a idéia do ministro Tarso Genro, de julgar os torturadores do regime militar, eu me manifesto contra. Será mais um problema. A Lei da Anistia já resolveu a questão. Além disso, existem as indenizações multimilionárias, que continuam a ser concedidas. Isso basta. WALTER DWORAK FILHO (Porto Alegre, RS) Mesmo tendo, na mocidade, militado no oposição universitária nos anos de chumbo da ditadura, não concordo com a posição do ministro da Justiça de querer, após mais de 30 anos, punir os torturadores remanescentes daquele período negro da nossa história.Tal volta ao passado, como falava o poeta Pedro Nava, é "como um farol traseiro em um carro, que para nada serve". Com tantos problemas que temos hoje, resta olhar para frente e deixar para a história analisar e julgar os acontecimentos daqueles idos. JOSÉ DE ANCHIETA NOBRE DE ALMEIDA (Rio de Janeiro, RJ) Curioso, não? Cabe perguntar, por exemplo, qual é o preço que o primeiro leitor, que diz que as indenizações “milionárias” às vítimas da ditadura “bastam”, estabeleceria para pagar a tortura de sua mulher ou o estupro de uma filha diante de si... Como se pode notar, tortura no (...) dos outros, é refresco. A teoria sociológico-filosófica que desafia esse “pragmatismo” de quem não sentiu na pele os horrores da ditadura, porém, pode ser encontrada em reflexão seminal do iluminista francês do século XVIII Charles de Montesquieu (1689 + 1755): “A injustiça que se faz a um, é ameaça que se faz a todos”. Esses que se empenham para enterrar os crimes contra a humanidade cometidos por agentes do Estado brasileiro entre os anos 1960 e 1980, tais como Globos, Folha, Estadão, e, como se não bastassem só os cúmplices de primeira hora, também autoridades, juristas etc, são todos co-responsáveis pelos crimes desses torturadores, assassinos e mandantes que desfilam por aí livres, leves, soltos, debochando de suas vítimas e gabando-se do sofrimento que infligiram a mulheres, crianças, velhos, religiosos, os quais torturaram, estupraram e mataram.
Fonte: Cidadania.com
Fonte: Cidadania.com
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