Tenham medo de mim
Faz tempo que estou para escrever isto. E, ao começar a escrever, sinto que deveria ter escrito muito antes. Aliás, alguém já escreveu sobre este blogueiro o que ele (eu) mesmo agora escreve e que, ao contrário do que parece, não é um texto personalista, mas previsão de aumento do ritmo da materialização de um fenômeno sociológico inexorável.
O jornalista Luiz Carlos Azenha escreveu faz tempo – e até publicou em seu site – um texto que serve à minha tese de que a mídia e a classe política deveriam ter muito medo de um eminente desconhecido chamado Eduardo Guimarães. Azenha notou o evento sociológico que é o surgimento de um blogueiro que não veio das escolas de Jornalismo, de Sociologia, de Direito, seja do que for em termos de profissões que têm que ver com o jogo do poder, e principalmente das classes política ou sindical.
Vim de um setor de atividade que nada tem que ver com o que comecei a fazer antes mesmo de criar este blog, há muitos anos. E é esta a história que quero lhes contar.
Da omissão à participação
Sou alguém que começou a ter consciência política em 1989, durante o retorno de fato do Brasil à democracia com a primeira eleição direta para presidente em mais de duas décadas. Eu tinha 30 anos. Até então, sempre me omitira das questões cidadãs. Sobretudo porque o começo de minha vida conjugal foi difícil, pois me casei antes de me estruturar minimamente na vida.
O fato é que, no primeiro turno da eleição presidencial de 1989, votei em Mario Covas. Achava Lula muito “radical” – e achava que Collor era um picareta. Com a derrota de Covas para Lula na passagem para o segundo turno, não me restou opção: fui para o segundo turno com Lula, certo de que a eleição de Collor seria um duro golpe para a democracia que se reinstalava no país.
Foi aí que comecei a achar que Lula era tudo, menos “radical”, porque vi, com estes olhos que a terra há de comer, o que fizeram para impedi-lo de vencer a eleição – e o que fizeram foi coisa de bandidos. Mas Lula não perdeu a linha diante das safadezas que praticavam contra ele. Nunca perdeu a linha.
Já eu que havia formado, através da mídia – e, sobretudo, através do Estadão, jornal que comecei a ler aos 13 anos –, a opinião que me fez votar em Covas no primeiro turno em 1989, a opinião de que Lula era “radical”, percebi então, pela primeira vez, que a mídia mentia.
Vi sabotarem Lula de todas as formas desonestas possíveis e imagináveis. No ápice daquilo tudo, vi a mídia coonestar o ataque sujo de Collor contra o petista usando o nome da filha dele e um depoimento comprado de sua ex-namorada, mãe da garota.
Nos primeiros anos depois daquela campanha eleitoral imunda, percebi que, se fizeram tanto para impedir Lula de vencer a eleição – e se usaram aqueles métodos –, certamente que boa coisa não eram, e certamente que Lula poderia, sim, ter intenção de melhorar a vida dos brasileiros, entre os quais estava eu mesmo.
Durante os cinco anos seguintes, vi que minha percepção sobre Collor era verdadeira e vi o que custou ao Brasil ter seguido a orientação midiática e votado no “Caçador de Marajás”, aquela enorme fraude construída pela Globo, pela Folha, pela Veja e pelo Estadão, entre outros.
Mas foi em 1994, quando Fernando Henrique Cardoso aliou-se ao que então havia de mais podre na política brasileira para vencer Lula (o PFL), e ainda com o mesmo apoio da mesma mídia que elegeu Collor com calúnias e enganações como a de que seria o petista que confiscaria a poupança se se elegesse, foi ali que me dei conta de que a mídia era uma ameaça ao país.
Quando FHC ganhou a eleição de Lula em 1994 valendo-se de uma quase censura da mídia a Lula e aos seus eleitores, decidi que não continuaria calado. Comecei a enviar cartas por fax ao Estadão. Uma por dia.
Eu era um moderado – e cansei de sê-lo, nos anos seguintes. Escrevia textos concisos, educados e forrados de argumentos oriundos da maior boa fé. Talvez por isso o Estadão, apesar de sua linha editorial conservadora, um belo dia publicou uma de minhas cartas, naquele mesmo 1994.
Fiquei maravilhado. Poderia participar do debate público, meu Deus! Havia deixado de ser apenas um inconformado. Se argumentasse corretamente, por escrito, não teria que ver as coisas acontecerem sem poder fazer nada. Havia que aprimorar meus textos e que ser persistente, pois.
Daquele ano em diante, fui me tornando um dos colaboradores mais presentes nas redações de jornais paulistas e cariocas. Cheguei a ter carta publicada até na Veja – apenas uma. E tanto no Estadão quanto na Folha cheguei a estar entre os leitores mais publicados.
Até que um dia, depois de muitos anos, percebi que eu fazia concessões àqueles jornais para ser publicado por eles. Não conseguia ser publicado quando dizia certo tipo de coisas. Em 1998, por exemplo, o Brasil já estava quebrado. Todos sabiam disso. Sobretudo os jornais.
Eu trocava e-mails com colunistas de jornais como José Neumanne Pinto (Estadão) ou Clóvis Rossi (Folha). Todos sabiam que o Brasil estava quebrado e que teria que desvalorizar o real urgentemente, mas a mídia ajudava FHC a mentir dizendo que Lula é que desvalorizaria o real se ganhasse a eleição.
Ao ajudar FHC a postergar a urgentíssima desvalorização do real só para se eleger, a mídia cometeu o primeiro grande crime de lesa-pátria de que havia tomado conhecimento até então. Nos anos seguintes, mergulhando de cabeça nos livros para conhecer a fundo a história política do Brasil, descobri que aquilo acontecia desde muito antes.
O advento político da internet
A partir do segundo mandato de FHC, fui vendo alguma coisa que eu jamais pensei que existisse. Através das seções de cartas dos jornais, fui descobrindo que eram manipuladas para fazerem vencer pontos de vista dos conservadores.
Descobri, em seguida, que não eram só as minhas cartas que começaram a ser rejeitadas talvez por eu ter passado a escrevê-las mal ou por ter perdido meu poder de argumentação. Percebi que poderiam não publicar a mim por ter escrito mal ou de forma prolixa, mas que deveriam publicar aquele meu ponto de vista através da carta de outro, como representação do necessário contraditório. Mas não publicavam.
A censura da imprensa a certas opiniões foi mitigada com a chegada da internet ao Brasil e com a disseminação de seu uso no fim dos anos 1990. Ali começaram a surgir as listas de e-mails. Era possível atingir centenas, milhares de pessoas enviando a elas textos por correio eletrônico.
Estabeleci um dos primeiros grandes fóruns de debate pela internet em uma lista com centenas e centenas de destinatários de todas as tendências. Ia colhendo e-mails publicados pelos jornais e por outras correntes de e-mail que recebia.
Fazia tudo isso paralelamente à minha atividade de comerciante de autopeças. Era autônomo, desde então, e passei a dedicar uma parcela de meu tempo a essa atividade, que fazia com que me sentisse um verdadeiro cidadão. Eu estava, finalmente, podendo contribuir com o interesse público.
Por que temer Eduardo Guimarães
Por que a mídia deveria ter medo de mim? Ora, primeiro que não é de mim, especificamente, que a mídia deveria ter medo, mas de todos os Eduardos que deve haver por aí.
Muitos deles – talvez a quase totalidade – provavelmente não escrevem. Todavia, no mínimo todos eles falam, opinam, convencem, sem saber, ainda, que poderiam falar muito mais alto.
São pessoas comuns, sem ligações com o jornalismo, com partidos, com sindicatos ou com a academia. São pessoas que lutam para pagar as contas através de profissões que nada têm que ver com o jogo do poder. São pessoas que fazem o que fazem sem ganhar nada em troca.
A mídia deveria ter medo de Eduardo Guimarães porque ele faz o que faz só porque acha que é sua obrigação fazer. Ele não é candidato a nada, não ganha absolutamente nada para fazer o que faz, sabe que jamais ganhará nada com isso, mas continua fazendo. E, segundo diz muita gente, com boa dose de sucesso.
Em minha opinião, a geração espontânea de Eduardos Guimarães continua acontecendo. Seremos muitos, algum dia, como acontece nos países desenvolvidos, nos quais as pessoas sabem que não podem se omitir e que não devem aceitar informações de um lado só.
Por isso tudo, reitero à mídia o convite para que tenha medo, para que tenha muito medo de mim, pois eu sou o futuro de uma sociedade que um dia entenderá que é possível – e imperativo – que todos participem dos grandes debates nacionais e que denunciem os vigaristas que tentam nos enganar usando carapaças de “jornalistas”.
Eduardo Guimarães.
Fonte: cidadania.com
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