Além do nojo puro e simples, o programa Big Brother Brasil (BBB), da Rede Globo, sempre me causou alguma estranheza com relação ao problema dos direitos de personalidade. Quem resolveu meu problema foi o livro e as aulas da professora Roxana Cardoso Brasileiro Borges, da nova geração de juristas da Bahia. (Direitos de personalidade e autonomia privada. 2 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007).
O problema era o seguinte: cursei a faculdade de Direito de 1980 a 1984, sob vigência do Código Civil de 1916 e estudando Direito Civil nos manuais de Orlando Gomes. Pouco ou quase nada, portanto, em relação aos direitos de personalidade. O Código Civil de 2002, no entanto, sem dispositivos correspondentes no antigo Código Civil, abriu um capitulo inteiro (Livro I, Título I, Capítulo II) sobre tais direitos e o artigo 11 estabeleceu que “os direitos de personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis”. Fechando o capítulo, o artigo 21 do novo código também estabeleceu que “a vida privada da pessoa é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.
Além do caráter de irrenunciável e intransmissível, a doutrina ainda elenca outras características dos direitos de personalidade: extrapatrimoniais, inalienáveis, impenhoráveis, imprescritíveis, inatos, absolutos, necessários, vitalícios e indisponíveis, dentre outros.
Ora, segundo a professora Roxana:
Os direitos de personalidade são próprios do ser humano, direitos que são próprios da pessoa. Não se trata de direito à personalidade, mas de direitos que decorrem da personalidade humana, da condição de ser humano. Com os direitos de personalidade, protege-se o que é próprio da pessoa, como o direito à vida, o direito à integridade física e psíquica, o direito à integridade intelectual, o direito ao próprio corpo, o direito à intimidade, o direito à privacidade, o direito à liberdade, o direito à honra, o direito à imagem, o direito ao nome, dentre outros. Todos esses direitos são expressões da pessoa humana considerada em si mesma. Os bens jurídicos mais fundamentais, primeiros, estão contidos nos direitos de personalidade. (Ibidem, p. 21).
Portanto, como compreender o fato de homens e mulheres abrindo mão da intimidade, da privacidade e da imagem em um programa de televisão se tais direitos são inalienáveis e indisponíveis? Que tipo de contrato aquelas pessoas celebram com a Globo? Como seria, por exemplo, a cláusula que estabelece a obrigatoriedade de uso permanente de microfone? Até a voz mais privada das pessoas, portanto, estava sendo objeto de contrato?
Como disse antes, foi da leitura do livro citado que passei a entender a possibilidade de relativização dos direitos de personalidade, ou seja, não assim tão indisponíveis alguns desses direitos: “a disponibilidade relativa dos direitos de personalidade reside na possibilidade na cessão de uso de alguns desses direitos, ou de licença ou permissão. De acordo com o negócio, a cessão de uso pode, inclusive, ser onerosa.” (Ibidem, p. 121).
E mais:
Os direitos à privacidade e à intimidade também podem ser objeto de negócios autorizativos. Por meio de atos dessa natureza é que se revela o interior da residência de pessoas famosas, ou, na forma mais ampla, é através desses negócios que as pessoas aceitam revelar 24 horas de sua vida privada e íntima para o público em geral, em redes nacionais de TV.(ibidem, p. 247).
Então, está tudo claro agora. Os direitos de personalidade são indisponíveis, mas a privacidade, a intimidade, a voz e o corpo podem ser negociados com a Rede Globo e apresentados no Big Brother Brasil. Ao contratado é prometido um prêmio de 1,5 mi e a contratante ganhará dezenas de vezes mais do que isso através de merchandising, ligações telefônicas, comerciais e outras formas de ganhar dinheiro que não chega ao nosso alcance.
Nesta lógica, garotas e garotos de programa, ou prostitutas de ponta de rua, que vendem o corpo por alguns trocados, é café pequeno diante do esquema do BBB. O problema é que para a hipocrisia nacional o BBB é diversão, mas a prostituição é crime contra a moral, os bons costumes e a tradição da família brasileira.
Escrito Por Gerivaldo Neiva
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