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domingo, 28 de fevereiro de 2010

Datafolha: Diferença entre Dilma e Serra é de apenas 4 pontos

Portal Vermelho
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Pesquisa Datafolha publicada na edição de domingo do jornal Folha de S.Paulo, mostra que a ministra petista Dilma Rousseff (Casa Civil) cresceu cinco pontos nas pesquisas de intenção de voto de dezembro para janeiro, atingindo 28%.
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No mesmo período, a taxa de intenção de voto no governador de São Paulo, José Serra (PSDB), recuou de 37% para 32%. Com isso, a diferença entre os dois pré-candidatos recuou de 14 pontos para 4 pontos de dezembro para cá.
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De acordo com a nova sondagem do Datafolha, o deputado federal Ciro Gomes, pré-candidato do PSB, tem 12% das intenções de voto; e a pré-candidata do PV, senadora Marina Silva, tem 8%.Na pesquisa anterior, Ciro aparecia com 13% e Marina já possuía 8%.
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A margem de erro da pesquisa divulgada neste sábado (27) é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. Ela foi realizada entre os dias 24 e 25 de fevereiro. Foram ouvidas 2.623 pessoas com idades maiores de 16 anos. Destas, 9% disseram que vão votar branco, nulo ou em nenhum dos candidatos e 10% informaram que estão indecisos.
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A sondagem confirma resultados de pesquisas de outros institutos, que já refletiam uma tendência de crescimento rápido da candidatura Dilma Rousseff e uma estagnação - e até mesmo queda - do pré-candidato José Serra.
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Cenários
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A pesquisa também apresentou um cenário sem a presença de Ciro Gomes. Nessa simulação, as intenções de voto em Serra ficam em 38% (ante 40% na pesquisa realizada entre 14 e 18 de dezembro); Dilma atinge 31% (ante 26% da pesquisa anterior); e Marina Silva fica com 10% (11% no levantamento de dezembro).
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No cenário de um segundo turno, numa eventual disputa entre Serra e Dilma, o tucano aparece com 45% das intenções de voto e a petista com 41%. Ou seja, também em um eventual segunda etapa do pleito, Dilma encosta no tucano, apresentando uma diferença de apenas quatro pontos novamente. O levantamento realizado em dezembro apontava que, nessa situação, Serra teria 49% das intenções de voto e Dilma, 34%. Em outro cenário de segundo turno, Dilma vence com 48%, contra 26% de Aécio.
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Rejeição de Serra e aprovação recorde de Lula
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De acordo com o Datafolha, o pré-candidato Serra registra o maior índice de rejeição entre os presidenciáveis, com 25%; seguido de Dilma com 23%; Ciro, com 21%; Aécio, com 20%; e Marina, com 19%.
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A pesquisa avaliou também o índice de aprovação do presidente Lula. Na mostra, a aprovação ficou em 73% (de ótimo e bom). Na pesquisa de dezembro, este índice foi de 72%, o mais alto patamar de popularidade apurado pelo Datafolha.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Por que fazemos a Blogosfera

 
 
 Vocês já pararam para pensar na razão pela qual nos dispomos a tudo o que fazemos na Blogosfera diariamente? E notem que, para alguns, é nos sete dias da semana. De dia, de noite, de madrugada. Aliás, pertenço ao último grupo. E não estou sozinho.
Mas o que é que tanto fazemos aqui? Enervamo-nos com o insubstituível contraditório, somos acusados e agredidos, acusamos e agredimos, somos alvos de ironias e as praticamos, sentimo-nos impotentes quando bloqueados em nossas opiniões ou bloqueamos as de outros, ainda que a contragosto.
Sendo franco, meus caros: às vezes tenho que dar razão à minha mulher quando ela diz que isto aqui (esta militância da Blogosfera) é “coisa de louco”. As horas que passamos diante do computador... Por que será que fazemos isso?
E não vá se animando, você que se opõe às minhas idéias políticas, porque os comportamentos que descrevi servem para nós dois, ou para o meu lado e para o seu, se preferir.
Estou tentando entender e dimensionar, também, a disposição das pessoas que aqui, na internet, tornam-se absolutamente verdadeiras, por mais que acreditem poder dissimular devido à sensação de anonimato que o “nickname” confere ao internauta.
Os estados de espírito, o nível baixo a que as pessoas podem chegar quando contrariadas, quão generosas podem ser, quão ardentes e quão indiferentes, como podem passar de um sentimento a outro num piscar de olhos...
É uma sensação estranha apurar, nos contadores de acesso dos blogs e sites, que tanta gente o está lendo e que a quase totalidade o faz em absoluto “silêncio”. Imaginar quem pensa o que é meio enlouquecedor.
Mas acho que descobri por que fazemos tudo isto. É que sentimos que estamos participando das grandes decisões do país. Está ao nosso alcance opinar e, assim, influir. Deixamos de ser o homem na multidão e nos tornamos singulares.
De uma coisa eu tenho certeza: sejamos concordantes ou discordantes, pensamos que estamos fazendo o que devemos em prol daquilo em que acreditamos. Vocês podem gostar do Serra ou da Dilma, da Veja ou da Carta Capital, do Lula ou de FHC, de George Bush, de Barack Obama ou de Hugo Chávez, mas vocês acreditam no que fazem.
Vou lhes contar um segredo: nunca acreditei mesmo nessa lenda de que os políticos pagam gente para comentar na Blogosfera ou para fazer blogs. Claro que não me refiro aos blogueiros pagos por empresas... Mas comentaristas e blogueiros independentes, não creio. 
A Blogosfera não significa nada, em termos eleitorais. Claro que tem peso no debate político, mas não é arena de convencimento de eleitores em potencial.
E esse pessoal que posta comentários tentando induzir opiniões, está suando para nada. Todo mundo aqui tem opinião política consolidada. São raras as vezes em que se busca formá-la. Quando muito, as pessoas vêm buscar argumentos para melhor poderem debater política e para extravasarem.
Em resumo, sou sincero ao dizer que acho que estamos de parabéns por fazer a Blogosfera, tanto um lado quanto o outro – partindo da premissa amplamente discutível de que só há dois lados, pois não há, apesar de que são esses dois (petistas e antipetistas) que monopolizam tudo.
Este é um post no qual eu gostaria muito de ver os comentáristas dos dois lados se respeitarem. Ainda nutro a esperança de que os debates se tornem realmente produtivos. De minha parte, farei o possível para que dê certo. Afinal, rendi homenagens ao empenho de todos, não só ao dos meus. 

Eduardo Guimarães

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Parceria CNJ-CNA: um mau sinal




Parceria CNJ e CNA
Por que um Órgão do Poder Judiciário se presta a este papel?

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) assinaram termo de cooperação técnica (025/10) com dois objetivos aparentemente normais e benéficos a todos: (i) desenvolvimento de ações conjuntas relacionadas ao processo de regularização fundiária no país e o incremento de (ii) medidas previstas no Programa Começar de Novo, que é voltado à inserção de presos e egressos no mercado de trabalho, conforme noticiado no site do próprio CNJ. Leia mais...
Este documento (termo de cooperação técnica 025/10) ainda não está publicado no site do CNJ, pelo menos no link indicado, mas o site Canal do Produtor, vinculado ao CNA-Sinar, disponibiliza mais informações sobre a parceria CNJ-CNA. Assim, além dos objetivos já divulgados pelo CNJ, a notícia publicada no site Canal do Produtor deixa claro que, na verdade, o objetivo principal da parceria é (i) “garantir maior segurança jurídica no julgamento de processos das áreas fundiária e ambiental” e o (ii) fortalecimento do seu programa “Observatório das Inseguranças Jurídicas no Campo” (Clique aqui...)
Pois bem, este “observatório”, segundo o CNA-Sinar, tem como objetivo “mapear ameaças ao direito de propriedade no mundo rural, e mensurar os prejuízos que as invasões de terra causam ao País. Pela iniciativa, será formado um banco de dados sobre situações que prejudiquem o setor agropecuário, principalmente nas áreas fundiária e ambiental. O observatório vai acompanhar o cumprimento das decisões judiciais que envolvam conflitos agrários, reintegração de posse e outras ameaças.” Leia mais...
Eis, portanto, para que serve, em última análise, a parceria firmada entre o Conselho Nacional de Justiça e a Confederação da Agricultura.
Pois bem, cumprindo seu papel, o “observatório” já elaborou estudos sobre os Estados do Mato Grosso, Pará, Maranhão e Bahia, além de tornar público um estudo mais detalhado sobre seus objetivos. Neste estudo, o “observatório” apontou o que entende sobre as questões que geram a insegurança Jurídica no campo: (i) questão fundiária, (ii) questão ambiental (iii) questão quilombola e (iv) questão indígena, ou seja, para o CNA-Sinar, agora com o apoio do Conselho Nacional de Justiça, os excluídos históricos (índios e negros) devem ser, definitivamente, afastados da terra e o meio ambiente não passa de um entrave à suas ambições.
Nesta lógica, finalmente, estão explicadas todas as campanhas de “criminalização” do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e as prisões ilegais de suas lideranças; a violência contra os povos indígenas e as constantes medidas judiciais suspendendo a demarcação de seus territórios; a violência contra os quilombolas e os entraves à demarcação de suas terras e a degradação criminosa do meio ambiente. Clique aqui para baixar o relatório do “observatório”.
A pergunta que não quer se calar é a seguinte: por que o Conselho Nacional de Justiça, como órgão do Poder Judiciário (artigo 92, I-A, da CF), se presta a este papel?
Pois bem, de tudo o que já li sobre o assunto, o texto de Jacques Távora Alfonsin me pareceu o mais lúcido de todos. 



Parceria entre CNJ e CNA: um mau sinal
Por Jacques Távora Alfonsin*

A independência, a autonomia, a imparcialidade, o tratamento igualitário devido a quem comparece em Juízo, conhecido como isonomia no tratamento das partes litigantes, são direitos-deveres dos mais lembrados pelo Poder Judiciário, como garantia do respeito que lhe é devido.
No dia 9 deste fevereiro, um acordo foi assinado pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ministro Gilmar Mendes (o mesmo que preside o Supremo Tribunal Federal), com a Confederação Nacional de Agricultura (CNA), que desrespeita, flagrantemente, as obrigações públicas derivadas daqueles direitos-deveres.
Segundo se pode ler nos sites de entidades ligadas à CNA, o tal acordo compreende, entre outras coisas, o seguinte: O Observatório das Inseguranças Jurídicas no Campo faz parte do Núcleo de Pesquisas Estratégicas do Instituto CNA e será responsável pelo mapeamento das chamadas "ameaças ao direito de propriedade". As informações, que serão fornecidas pelas federações da Agricultura nos estados e pelos sindicatos do segmento nos municípios, serão consolidadas pela CNA e estarão disponíveis aos órgãos do Judiciário e do Executivo. A idéia é que, a partir dessa rede de informações, o governo e a sociedade tomem conhecimento das iniciativas que coloquem em risco o desenvolvimento econômico e social do país, como as invasões de propriedades públicas e particulares. Os dados compilados pelo Observatório serão divulgados na página da CNA na internet: www.canaldoprodutor.com.br
A partir de agora, então, ao poder de polícia do Estado, ao Ministério Público, e ao próprio Poder Judiciário como um todo, soma-se um outro poder, delegado a uma entidade privada - o de dedurar quantas pessoas ela julga suspeitas de provocar insegurança. Estabeleceu-se uma espécie de "disque denúncia" à disposição de quem quiser preservar a injustiça social que uma entidade patronal, historicamente inimiga das/os agricultoras/es sem terra e da reforma agrária, poder fornecer-lhe os dados capazes de montar um novo panóptico privado que, a seu juízo, criminalize quantas/os a sua idéia estreita, interesseira e preconceituosa de direito e justiça entenda de criminalizar.
Se tudo parasse por aí, o escândalo já seria muito grave, pelo menos para quem respeite de forma efetiva (e não apenas formal e aparentemente) os princípios constitucionais próprios das obrigações públicas acima lembradas. A situação criada pelo tal acordo, entretanto, é muito pior. A CNA é parte litigante, diretamente interessada em ações judiciais atualmente tramitando no Supremo Tribunal Federal, envolvendo interesses públicos relevantes, relacionados, por exemplo, ao Direito do Trabalho e sindical, ao Direito Tributário, ao meio-ambiente e a terras indígenas.
Quem acessa o site do Supremo se surpreende com o número de tais ações, que sobe a centenas, envolvendo interesses difusos, direitos humanos fundamentais de populações inteiras, valores econômicos significativos.
Será que, mesmo sob tal circunstância, o Presidente do Supremo, simultaneamente o mesmo do CNJ, poderia assinar o tal acordo com uma parte que litiga sob sua própria jurisdição? Ficam preservados, depois disso, a independência, a autonomia, a imparcialidade, o tratamento isonômico das partes, o próprio dever de moralidade que a Constituição impõe ao Poder Público, no seu artigo 37?
Sem necessidade de se lembrar o que a Constituição Federal prevê, sobre o CNJ (art. 103-B, parágrafo 4º, inciso I de modo particular), e a lei Orgânica da Magistratura, sobre a conduta das/os juizas/es, basta a leitura do Código de Ética dessas autoridades para que as/os nossas/os próprias/os leitoras/es dêm resposta a tais perguntas.
Já no primeiro artigo desse Código, prevê-se o seguinte: O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.
Sobre independência, o art. 5º prevê: Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.
Sobre imparcialidade, o art. 8º determina: O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.
À luz do nosso ordenamento jurídico-ético, assim, é impossível afastar-se a conclusão de que o tal acordo escandaliza de maneira profunda a consciência de qualquer brasileira/o, especialmente pelo fato de ter sido assinado pela mesma pessoa que preside o Supremo Tribunal do país. Reconhece ele numa das partes litigantes perante aquele Tribunal, a portadora de um critério idôneo sobre o que se possa entender por segurança jurídica, ainda mais envolvendo um direito como o de propriedade da terra que, por um capítulo inteiro da Constituição Federal (o que trata da reforma agrária, por exemplo) está sob suspeita de ele mesmo ser o gerador da maior insegurança e infelicidade do povo pobre do país..
De que segurança, mesmo, o STF vai tratar a partir de agora, quando a CNA estiver litigando perante esse Tribunal? Não a pública, aquela que é de todas/os, é bom que se suspeite e frise, mas sim a das/os suas/seus associadas/os, já que ela ganhou status de juíza do que seja segurança.
Quando as/s pobres do Brasil reclamam das sentenças judiciais que já partem do preconceito de elas/es serem criminosas/os não faltam vozes estridentes de contestação. O acordo do CNJ com a CNA, porém, é uma prova eloqüente da verdade que embasa aquela queixa.
A própria época em que o tal compromisso foi assinado chama a atenção para o fato. Há um Plano Nacional de Direitos Humanos recentemente lançado que questiona, justamente, as repetidas violências das execuções judiciais infligidas contra multidões de sem-terra e de sem-teto, que sofrem, não raro, a perda da própria vida nesses embates. O Plano, inspirado em modernas teorias processuais, oferece alternativa que, se for transformada em lei, certamente vai diminuir, talvez eliminar essa mortandade vergonhosa, sem ferir o direito de quem quer que seja.
O compromisso assinado entre os dois Conselhos, então, é sinal de que há uma clara opção de classe público-privada contrária ao tal Plano, visando empoderar, exatamente, as forças políticas contrárias à sua implementação. É um acordo, portanto, manifestamente inconstitucional. Não obstante, foi assinado pelo presidente do Tribunal brasileiro encarregado, justamente, de dizer o que seja ou não constitucional...
O país tem suportado uma injustiça social incompatível com um Estado que, em sua Constituição pelo menos, proclama-se democrático de direito. O CNJ e a CNA ignoram esse caráter, desprezam o poder soberano e constituinte do povo, preservam o que há de pior na cultura jurídica classista que predomina na interpretação das leis, e, em nome da segurança das/os latifundiárias/os, mantém a nossa terra escrava delas/es.

*Jurista e procurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado.
 
Texto publicado no site do MST.

Fonte deste blog: Gerivaldo Neiva

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Quaresma: tempo de reparar as brechas

José Lisboa Moreira de Oliveira

Desde o IV século o cristianismo decidiu fixar o tempo de preparação da Páscoa em torno de 40 dias. Até então esse tempo de preparação era breve, resumido aos três dias conhecidos hoje como Tríduo Pascal (quinta, sexta e sábado santo). O tempo de 40 dias, muito conhecido no Antigo Oriente, tinha um significado simbólico para as pessoas e culturas das civilizações daquela região. Por essa razão ele é mencionado com frequência na Bíblia judaico-cristã. Significava o tempo necessário, suficiente, para que se pudesse realizar uma tarefa e uma missão. Está relacionado ao número quatro, o qual, por sua vez, representava os quatro elementos que segundo a tradição dos povos orientais constituíam a Terra e, de consequência, davam consistência à vida: terra, ar, água e fogo. Portanto, já muito antes da invenção da quaresma, o número 40 representava o tempo oportuno e propício oferecido, ao ser humano e aos povos, pelos deuses para que pudessem cumprir a sua missão.
            Com o passar do tempo, buscando inspiração na Bíblia, o cristianismo foi indicando algumas práticas que pudessem caracterizar o período quaresmal como tempo intenso de reflexão e de convite à conversão permanente. Aos poucos a própria vivência do tempo quaresmal foi evidenciando três práticas fortes e significativas: oração, jejum e esmola. Isso não significava que o exercício dessas três práticas ficaria limitado a esse tempo de 40 dias. Significava apenas que aquele período era uma oportunidade de intensificá-las, de modo que elas pudessem marcar toda a existência cristã. Assim sendo, ainda hoje, a Igreja insiste com os seus fiéis para que, durante a Quaresma, intensifiquem essas práticas.
            Aqui, porém, surge uma pergunta muito importante e fundamental: mas o que é mesmo oração, jejum e esmola? Muitas podem ser as respostas e nem sempre elas estão em sintonia com a Palavra e com a autêntica tradição eclesial. Por essa razão julgo oportuno aprofundar o significado bíblico dessas práticas. Assim podemos evitar exageros e desvios, entrando mais em sintonia com a verdadeira proposta da Igreja.
            A oração, segundo a Bíblia, não é falar com Deus, mas é, pelo contrário, escutar o que Ele tem a dizer. Conhecemos a famosa expressão “shemá Israel”, ou seja, “escuta Israel” (Dt 4,1; 5,1; 6,4; 9,1; 20,3), tantas vezes repetida por Deus a seu povo. Segundo alguns biblistas a oração da escuta é a mais querida por Deus, uma vez que ela coloca o crente e a comunidade numa atitude ativa de disponibilidade para realizar a sua vontade na medida em que ele vai se revelando. A escuta é indispensável porque Deus se revela progressivamente através da Palavra e dos apelos da história. Por isso Paulo afirma que a fé depende da maneira como se escuta a voz de Deus que chega até nós através da mediação do anúncio (Rm 10,18-21).
            De acordo com a Bíblia, oração recheada de gritaria, barulho e falatórios, não condiz com a verdadeira atitude orante. Ela é própria de adoradores de falsos deuses. Como os falsos deuses são dorminhocos, não escutam ninguém, os orantes precisam gritar até ficarem roucos (1Rs 18,26-29). Por isso, afirma ainda a Bíblia, a verdadeira atitude orante é aquela do discípulo que, a cada manhã, abre seu ouvido para escutar os apelos divinos (Is 50,4-5). Nesse sentido, certas orações que vemos por aí, feitas de alaridos e de multiplicação de palavras, correm o risco de serem puro exibicionismo. Não refletem o ensinamento de Jesus, o qual convida a rezar no segredo (Mt 6,5-7). Aliás, como diz a Tradução Ecumênica da Bíblia, a expressão “rezar no segredo do quarto mais retirado” (Mt 6,6) dá a entender que se trata de um lugar inusitado, como, por exemplo, o celeiro. Um lugar onde jamais se imaginaria alguém rezando.
            Mas, continua a Bíblia, Deus não precisa de nossa oração para nos atender, pois ele já sabe do que precisamos, antes mesmo de o pedirmos (Mt 6,8). Por esse motivo pode-se tranqüilamente afirmar que a oração tem como destinatário o próprio ser humano. Rezamos não para mudar a vontade de Deus, mas para transformar a nossa vontade, fazendo com que ela entre em sintonia com o projeto de Deus. Assim sendo, podemos afirmar que a atitude orante da escuta nos ajuda a encontrar formas de “acudir ao enfraquecido” (Is 50,4). Rezamos não para satisfazer a Deus, mas para sermos solidários e para nos tornarmos sensíveis ao grito do fraco, do empobrecido. A oração desconectada da solidariedade e da luta pela justiça é algo que causa náuseas a Deus. Melhor: causa-lhe horror! Ele não escuta esse tipo de reza (Is 1,11-15). Por essa razão, no período da quaresma, a comunidade cristã juntou a oração à prática do jejum e da esmola.
            O jejum, como sabemos, é o gesto de não ingerir alimentos por um certo período ou de consumi-los de forma sóbria, ou seja, na menor quantidade possível. Como a oração, o jejum é uma prática que vem das mais antigas religiões. Porém, no judaísmo e no cristianismo o jejum não é feito para agradar a divindade, mas para despertar na pessoa religiosa a solidariedade para com aqueles e aquelas que estão passando fome. Isso é muito evidente na Bíblia. Deus não suporta o jejum pelo jejum, isto é, o jejum desconectado da prática da justiça. Ele só aceita essa prática quando ela é expressão de solidariedade, quando essa se transforma em ações em vista da libertação de todas as formas de “canga” que oprimem os pobres (Is 58,3-14). Por essa razão a Bíblia denuncia certas formas de jejum, as quais, disfarçadas de religiosidade, servem apenas para acobertar a injustiça contra os pobres (1Rs 21,9). Trata-se do jejum exibicionista e hipócrita (Mt 6,16-19) que não terá mais lugar na comunidade dos que vivem em sintonia com as propostas do Reino (Lc 5,33-35), uma vez que aqui não há mais ninguém com fome. Os pobres foram incluídos no banquete (Lc 14,13.21) e não há mais sentindo ficar jejuando.
            Segundo dados da ONU existem atualmente no mundo mais de um bilhão de famintos! Ora, a prática do jejum bíblico torna a pessoa sensível porque ela experimenta na própria pele aquilo que os famintos da Terra experimentam de forma permanente. Se o jejum for verdadeiro, a pessoa se abre para a partilha, para a solidariedade, e começa a perceber a urgência da redistribuição da riqueza, da renda. De fato, esse é o sentido da terceira prática quaresmal: a esmola. Infelizmente, como nos mostra Adriano Sella no seu livro Ética da Justiça (Paulus, 2003) houve um desvirtuamento do significado da esmola. A partir da Idade Média, para a quase totalidade dos cristãos, ela não passa de um ato assistencialista, um mero paliativo que deixa o pobre na situação de sempre. A Igreja a partir de então não conseguiu manter o ensinamento bíblico e nem mesmo a proposta de São Tomás de Aquino. Na sua famosa obra Suma Teológica Tomás afirma que não devemos ter as coisas terrenas como próprias, mas como bem comum. Ao falar da distinção entre esmola de preceito e esmola de conselho o santo doutor chega a afirmar que se um pobre está passando fome e o rico não cumpre o seu dever de justiça, o pobre tem o direito de tomar do rico o necessário, sem que esse ato seja caracterizado como roubo.
Para a bíblia (Lc 12,33-34; At 2,44-45; 4,32-37) e para a tradição patrística (séculos I-VIII) a esmola significava partilha, “comunicação dos bens”, ou, como dizemos hoje, redistribuição da renda. Esmola é “um modo para devolver aquilo que pertence ao pobre, ou seja, resgatar o equilíbrio originário (a harmonia do cosmo) exigido pela justiça” (Sella, p. 170). Por esse motivo, afirmava São Cipriano de Cartago, a falta de redistribuição de renda é sinal de que a fé e a fortaleza dos cristãos murcharam por completo. Onde não há redistribuição de renda não há cristianismo.
            Dar esmola, portanto, significa agir de modo a deixar bem claro, como o fez São João Crisóstomo, que Deus não fez alguns ricos e outros pobres. Em uma de suas homilias, comentando a Primeira Carta a Timóteo, Crisóstomo afirma que a terra é dom de Deus para todos e os seus frutos têm de ser comum para todos. E conclui sua reflexão perguntando: “Como é possível que você tenha tanta terra e que o teu próximo não tenha nada?” (Homilia a 1Tm, XII,4). Uma pergunta contundente e atual que certamente deixaria qualquer latifundiário profundamente irritado. Não por acaso esse santo foi perseguido, ameaçado de morte e, por diversas vezes, expulso da diocese onde era bispo. A partir dessa perspectiva pode-se afirmar que a esmola, no sentido bíblico, é lutar para que o direito comum prevaleça sobre o direito privado, pois, no dizer de Santo Ambrósio, bispo de Milão, “a natureza engendrou o direito comum e a usurpação fez o direito privado”. De conseqüência, lembrava muito bem São João Crisóstomo, “enquanto houver pobres, o rico é um ladrão e a riqueza é uma injustiça: se uma pessoa é rica, cometeu certamente injustiça”.
            A chegada de mais um período quaresmal é uma oportunidade para revermos nossas práticas e nossa vida cristã, reparando brechas, reconstruindo ruínas e restaurando a vida ameaçada (cf. Is 58,12). É tempo de pensar seriamente na missão que nos foi confiada de fazer da Terra “um jardim irrigado” (Is 58,11). Num momento em que há muito barulho na sociedade e na Igreja, em que nos tornamos surdos aos clamores de bilhões de pobres, urge resgatar o sentido pleno e bíblico da oração. Urge questionar certos grupos de oração que com suas rezas barulhentas não ajudam as pessoas a manterem os ouvidos abertos para ouvir (Is 42,20) e acudir ao enfraquecido (Is 50,4). Urge voltar àquela oração de discípulo que, conectado com as realidades humanas (1Sm 3,1), é capaz de dizer: “Fala Senhor, o teu servo escuta” (1Sm 3,11).
            A quaresma é, sim, o tempo do jejum bíblico. É o tempo de fazer a experiência em nosso próprio corpo da fome que mata diariamente tantos irmãos e irmãs, principalmente crianças. Para muitos de nós, obesos pelo excesso de comida, pelo pecado da gula, doentes por comermos demais, vale a pena, nesse período quaresmal, sentir muita fome. Não por obsessões religiosas, não por questões estéticas, não para obedecer à ditadura da beleza, mas para sentirmos de fato aquilo que sente quem não tem o direito de comer. De fato, como dito antes, este é o jejum que Deus prefere.
            Por fim, o tempo quaresmal é o tempo por excelência para rever o nosso compromisso com a justiça e a solidariedade. É o tempo de abandonarmos aquela mentalidade que nos leva à acomodação. É o tempo de nos conscientizarmos da obrigação de lutarmos contra toda forma de injustiça, fazendo com que sejam iguais e tenham igual sorte todos os que vivem neste mundo. E nesta quaresma de 2010 se apresenta para nós uma excelente oportunidade: a Campanha da Fraternidade Ecumênica que vai trabalhar o tema “Economia e Vida”. Podemos nos engajar em ações concretas que colaborem para que a economia seja orientada por princípios éticos que criem reais condições de vida digna para todas as pessoas. Que tal nos unirmos a tantas outras pessoas que já estão comprometidas com essa luta? Não faltam oportunidades e espaços para quem quer participar.

José Lisboa Moreira de Oliveira, licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília, graduado em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, Mestre em Teologia pela Pontifícia Faculdade Teológica da Itália Meridional (Nápoles – Itália), Doutor em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma. Autor de 13 livros e dezenas de artigos sobre o tema da vocação e da animação vocacional. Foi assessor do Setor Vocações e Ministérios da CNBB (1999-2003) e Presidente do Instituto de Pastoral Vocacional (2002-2006). Atualmente é gestor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília, onde também é professor de Antropologia da Religião e Ética.


Fonte: Enviado por e-mail

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Inatividade temporária do Faça sua história

Ao tempo em que apresento desculpas às leitoras e aos leitores pela inatividade do blog, lamento ainda informar que por problemas de ordem pessoal, ficarei ainda alguns dias sem condições de postar qualquer matéria.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Ladrões de notícias


 
Nos últimos dias, os meios de comunicação que tantos denunciam diariamente por “crimes” contra o direito do público à informação tomaram a decisão arbitrária e inexplicável de literalmente roubarem do público notícias das quais não gostaram.
O público de uma Globo ou de uma Folha ou de um Estadão foi privado dos números da pesquisa Vox Populi divulgada na última sexta-feira. Argumentaram, em off, que o dono desse instituto, Marcos Coimbra, seria “partidário”do PT.
Esses veículos, porém, não fizeram nenhuma restrição às pesquisas Ibope apesar de o diretor desse instituto, Carlos Augusto Montenegro, ter garantido, recentemente, que José Serra já estaria eleito.
A Globo foi a única emissora aberta a não divulgar também a pesquisa CNT-Sensus divulgada ontem, a qual, à semelhança da pesquisa Vox Populi, mostra Dilma Rousseff tecnicamente empatada com o governador paulista.
Como escrevo antes de saírem os jornalões de hoje, não sei se divulgarão a pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes. Acho que não irão tão longe quanto a Globo. Ou irão? Quando vocês estiverem lendo isto, a resposta já será conhecida.
O fato, enfim, é que todos esses veículos, e outros como eles, roubaram de seus públicos informações importantes só porque desagradaram a seus aliados políticos, o que permite supor que muitos outros tipos de notícia devem sofrer o mesmo destino.
Trata-se de uma conduta infantil da mídia Tomemos o caso da Globo, por exemplo. Milhões de telespectadores ficaram sabendo da pesquisa CNT-Sensus pelas outras emissoras, pelo rádio, pela internet e, hoje, ficarão sabendo pelos jornais.
 Aí se explica a informação contida na pesquisa Sensus de que, de 1998 para cá, quando o assunto é política diminuiu vertiginosamente o percentual do eleitorado que dá crédito a tevês e jornais na hora de decidir em quem votar.
São condutas como essa que fazem com que depois de quase dois anos de bombardeio midiático Dilma Rousseff continue crescendo nas pesquisas e tenha se tornado a pré-candidata a presidente menos rejeitada.
Eduardo Guimarães

Por que São Paulo alaga


Está havendo uma ocultação criminosa de um fato inquestionável: a grande São Paulo (região que inclui a capital paulista e várias cidades limítrofes) está se afogando em água e excrementos, dezenas de pessoas estão morrendo, prejuízos econômicos incalculáveis estão ocorrendo a cada dia em razão de medidas – ou de falta de medidas – do governador do Estado e do prefeito da capital.
As informações que corroboram a assertiva acima foram divulgadas publicamente pelo site do jornalista Luiz Carlos Azenha através de trabalho memorável da também jornalista Conceição Lemes, que se dispôs a navegar de barquinho pelo infecto rio Tietê para saber o que de fato está acontecendo com uma obra de mais de um bilhão de reais, financiada com os impostos daqueles que estão vendo suas casas submergirem em incontáveis partes da região metropolitana de São Paulo.
Apesar disso, há um outro processo igualmente criminoso sendo empreendido pelas tevês abertas e pelas rádios e jornais paulistanos. Globo, Bandeirantes, SBT, Rede TV, Gazeta, Folha de São Paulo, Estadão, revista Veja, rádio CBN, rádio Eldorado, os portais de internet UOL, IG e G1, bem como muitos outros veículos, tentam, desesperadamente, vender a idéia de que essa catástrofe está acontecendo em São Paulo por culpa de São Pedro.
É mentira. Não existe nenhuma catástrofe natural em andamento. Com as medidas corretas, seria perfeitamente viável São Paulo não se afogar em água cheia de merda até nos bairros chiques de madames que, com imprensa amiga dos autores da proeza e tudo, já dizem que não votarão mais em Serra ou em Kassab “nem mortas”.
As razões pelas quais está acontecendo esta calamidade que milhões – eu disse MILHÕES – de paulistas estão vivendo está bem explicada na representação que o Partido dos Trabalhadores apresentou ao Ministério Público de São Paulo. Simplesmente as autoridades paulista e paulistana reduziram irresponsavelmente as verbas para ações do poder público que poderiam ter evitado o que está acontecendo.
Essa história de que supostamente está caindo do céu, exclusivamente em São Paulo, a maior quantidade de água desde o Dilúvio bíblico, e de que não haveria ações do poder público que evitariam o desastre, é mentirosa. E nenhum técnico respeitável dirá o contrário.
Haveria o que ter sido feito nos últimos cinco anos, sim. Não foi feito por redução de investimentos nas obras necessárias com concomitante aumento das verbas de publicidade oficial dos governos da capital e do Estado de São Paulo.
Essa é a verdade. Há pareceres técnicos de renomados especialistas que explicam didaticamente por que está acontecendo esta tragédia em São Paulo. Enquanto isso, a imprensa, que deveria estar ao lado da população, trata de acobertar os autores dessa tragédia.
Confio na verdade e na justiça. Senão nas dos homens, nas de Deus. Esses irresponsáveis que causaram todo esse sofrimento pagarão por seus crimes. Acredito que uma luz se fará sobre as mentes obscurecidas e dopadas dos paulistas e estes enxergarão como têm sido manipulados por meia dúzia de meios de comunicação tão culpados quanto os políticos que protegem.
Eduardo Guimarães



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Tragédia no Haiti e a culpa dos impérios

Aos poucos, a mídia hegemônica vai abandonando o devastado Haiti. O sensacionalismo inicial, com as cenas do terremoto que matou mais de 120 mil haitianos, já não rende tanta audiência. A TV Globo quase não fala mais da tragédia. Afinal, aquele povo sempre viveu na miséria e não é muito saudável, para as elites, tratar muito do tema. No máximo, as redes “privadas” de televisão exibem a desastre e jogam toda a culpa na natureza. Nada de aprofundar as verdadeiras causas da tragédia. Na verdade, o Haiti sempre foi vítima de devastações que não têm nada de natural.

No belíssimo livro “Espelhos”, o escritor uruguaio Eduardo Galeano mostra que este país é uma vítima histórica de mortíferos “terremotos” patrocinados pelas potências colonialistas – primeiro pela França, depois pelos EUA. Brutalmente saqueado durante três séculos pelo império francês, o povo haitiano conquistou a independência e a abolição da escravidão em 1804. Devido ao seu heroísmo, ele foi alvo da vingança imperial. Napoleão Bonaparte não perdoou a perda de dezoito generais na épica guerrilha liderada pelo escravo Toussaint L’Ouverture, o “jacobino negro”.

“O leproso das Américas”

“A nova nação, parida em sangue, nasceu condenada ao bloqueio e à solidão: ninguém comprava nada, para lá ninguém vendia nada, ninguém a reconhecia. Por ter sido infiel ao amo colonial, o Haiti foi obrigado a pagar uma indenização gigantesca para a França. Essa expiação do pecado da dignidade, que ficou pagando durante cerca de um século e meio, foi o preço que a França impôs para dar seu reconhecimento diplomático ao novo país... O Haiti continuou sendo o leproso das Américas. Thomas Jefferson [presidente do EUA] havia advertido, desde o princípio, que era preciso ‘confinar a peste’ naquela ilha, porque dali vinha o mau exemplo”.

Ainda sob os escombros do “terremoto” francês, os haitianos foram vítimas da gula do Tio Sam. “Em 1915, os Estados Unidos invadiram o país. Em nome do governo, Robert Lansing, explicou que a raça negra era incapaz de governar a si própria, ‘pela tendência inerente à vida selvagem e sua incapacidade física de civilização’. Os invasores ficaram 19 anos”. Foi extinto o Banco da Nação, que se converteu numa sucursal do City Bank, e os negros haitianos foram proibidos de entrar nos restaurantes e hotéis exclusivos dos gringos. Na prática, a escravidão retornou ao país.

Ocupações, golpes e ditaduras

A violência ianque resultou em milhares de mortos. O líder guerrilheiro Charlemagne Pèralte foi pregado em cruz numa porta para atemorizar os rebeldes. A ocupação durou até 1934, quando os fuzileiros foram substituídos por uma Guarda Nacional treinada e dirigida pelos EUA. Em 1957, inicia-se a ditadura de François Duvalier, apelidado de Papa Doc, um agente da CIA que ficou famoso pelos cruéis esquadrões da morte. De 1971 a 1986, ele é substituído por seu filho, Claude Duvalier, Baby Doc, que aprofundou o saque do país pelo imperialismo ianque e a miséria deste sofrido povo.

Na fase recente, o padre progressista Jean Bertrand Aristide foi eleito presidente, em 1991, como expressão do descontentamento popular. Mas ele não durou muito e foi derrubado por um golpe orquestrado pela CIA. Ele ainda retorna à presidência, já domesticado, mas é novamente deposto em 2004. Este longo “terremoto” causado pelo imperialismo é que explica o drama do Haiti, um país que teve sua economia destruída e saqueada e que vive uma eterna guerra civil da barbárie, o que o torna mais vulnerável aos desastres naturais. Os EUA são os culpados por esta tragédia.

O terremoto e o oportunismo dos EUA

O renomado jornalista John Pilger relata que “da última vez que estive no Haiti, observei muitas meninas nas máquinas de costura estridentes da Baseball Plant. Muitas tinham os olhos inchados e os braços lacerados. O Haiti é onde a América faz o equipamento do seu bendito jogo nacional, quase de graça. O Haiti é onde os empreiteiros da Wall Disney fazem os pijamas Mickey Mouse, quase de graça. Os EUA controlam o açúcar, a bauxita e o sisal do Haiti. A cultura do arroz foi substituída pelo arroz importado, levando o povo para as cidades e habitações improvisadas”.

Diante da destruição causada pelo terremoto, ele não acredita nem um pouco na “solidariedade” dos EUA – que está sendo chefiada pelos ex-presidentes Bill Clinton e George Bush, nomeados por Barack Obama. Clinton forçou o ingresso das maquiladoras, as fábricas de trabalho precarizado (sweatshops), e hoje é lobista de um negócio turístico de US$ 55 milhões. Bush ordenou o mais recente golpe no país de olho nos seus campos de petróleo. Para Pilger, o império ianque tenta se aproveitar da nova tragédia para mais uma vez ocupar militarmente o Haiti. Neste novo cenário, a “missão de paz” da ONU, comandada pelo Exército brasileiro, torna-se ainda mais complexa. 
 
Altamiro Borges

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