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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Barack Obama: Ano I

Antônio Lassance

Que tipo de presidente é Barack Obama? Em se tratando da presidência dos EUA, esta pergunta é normalmente respondida situando o presidente de plantão em alguma escala na galeria dos que já ocuparam a Casa Branca. Tal é a referência do debate político travado entre seus dois principais partidos e também é a base da grande maioria dos estudos sobre o presidencialismo estadunidense.
Não é difícil de se imaginar qual é a preferência do próprio Obama. Ele gostaria de estar entre os presidentes que pairam nas alturas; por exemplo, entre os quatro esculpidos no Monte Rushmore, em Dakota do Sul: Washington, Jefferson, Theodore Roosevelt e Lincoln. Entre a natural obrigação de qualquer presidente daquele país em ser suficientemente ambicioso e o risco de parecer por demais presunçoso, Obama teve a sorte de escudar-se na coincidência de ter raízes políticas no mesmo Estado de um dos presidentes da elevada galeria de Rushmore: Lincoln. Por isso, pôde tomar um trem na mesma Springfield-Illinois, onde Lincoln embarcou rumo a Washington, em 1861, e jurar na mesma bíblia do ex-presidente. Com o gesto, Obama homenageava Lincoln, mas subliminarmente homenageava a si próprio com a promessa de um novo divisor de águas na História americana.
A oposição também já escolheu sua imagem predileta a respeito do presidente Democrata: é Jimmy Carter. Para os Republicanos, Obama é um presidente cheio de planos megalômanos e resultados pífios; de retórica mudancista, mas incapaz de coesionar seu próprio partido; um presidente hesitante e concorrente ao último lugar no ranking dos agora 43 políticos já eleitos para o cargo.
Entre os dois extremos, a cada dia que passa, contado um ano desde sua posse, Obama parece destinado a ficar perigosamente próximo de Lyndon Johnson (1963-1969). Por paradoxal que seja aproximá-lo de um texano branco, sem brilho comunicativo, escolhido por Kennedy como vice (na campanha de 1960) justamente para acalmar o eleitorado conservador, o fato é que Obama, assim como Johnson, vê sua presidência como o resultado não apenas de seu perfil, mas sobretudo das circunstâncias que limitam suas escolhas e de um sistema político que empareda seus movimentos. A consequência é que, terminada a lua-de-mel do presidente com a opinião pública, sua imagem distancia-se cada vez mais da autoimagem criada desde a campanha eleitoral. Foi assim com Johnson, tem sido assim com Obama.
Diferentemente de Carter, que trouxe seus amigos georgianos (ele havia sido governador do Estado da Geórgia) e tentou imprimir um estilo pessoal à condução de seu governo, Obama é mais parecido com Johnson no critério de, até agora, não ter brigado com “o pessoal de Washington” (a burocracia da Casa Branca e os responsáveis pela interlocução com o Congresso). Sacrificou certamente suas intenções pessoais e o ímpeto de seu estilo para evitar ser sabotado em suas ações. Como Johnson, manteve em postos-chave pessoas colocadas pelo seu antecessor (Gates, da Defesa, e Bernanke, no Federal Reserve – e se pode considerar na mesma linha a promoção do general Petraeus, de comandante das forças de Bush no Iraque para comandante geral das forças armadas de Obama).
Assim como Johnson, Obama foi senador antes de tornar-se presidente. A experiência foi decisiva para ambos. A desenvoltura de Johnson na relação com o Congresso é reconhecida (NEUSTAD, R. Poder presidencial e os presidentes modernos. Brasília/S. Paulo: ENAP/UNESP. 2008). O pragmatismo de Obama o coloca na mesma trilha. Ambos conquistaram vitórias congressuais importantes e esbarraram em forte oposição entre seus correligionários. Johnson era fustigado por Robert Kennedy. Obama enfrenta a revolta de democratas à esquerda e à direita.
Carter abrira várias frentes de combate e foi colecionando derrotas sucessivas. Obama combina uma clara agenda de prioridades, o que não o impede de realizar movimentos simultâneos. Aliás, a presidência dos EUA funciona à base de movimentos simultâneos em que as políticas interna e externa ou se equilibram mutuamente ou entram em crise sistematicamente. Não por acaso, alguns consideram que são duas presidências: uma para a política interna, outra para a política externa (tese já clássica de WILDAVSKY, “The Two Presidencies”. Trans-Action, 1966, 4 (2), pp. 7–14). Em contraste, o que Carter preservou de mais positivo esteve relacionado à sua política externa: o apoio à política de abertura democrática na América Latina, de defesa dos direitos humanos e os acordos de paz em Camp David. Sua política interna era um desastre. Com Johnson, ocorreu o contrário: seu inferno era a política externa. Há sinais claros de que Obama pode ter o mesmo destino. A mesmice de sua política externa, mesmo que com uma retórica mais sofisticada que a de Bush, é reconhecida desde Chomsky (que é radical) a Zbigniew Brzezinski (que é Democrata).
Kissinger definiu Barack Obama (Der Spielgel, 6 de julho de 2009) como um jogador de xadrez que joga várias partidas simultâneas, mas que realiza um movimento de cada vez, e só então retorna para um novo lance. Johnson também sabia agir dessa maneira.
O que mais os aproxima são suas agendas. Ambos são prisioneiros de uma agenda herdada de seus antecessores: a agenda da guerra. A de Johnson, no Vietnã. A de Obama, no Iraque e no Afeganistão. Em contraponto ao desgaste externo, há uma agenda interna de expansão de direitos sociais. No caso de Johnson, ela tomou a forma da Grande Sociedade, que consistiu em programas de combate à pobreza, promoção da saúde e ações afirmativas de integração racial. No caso de Obama, a prioridade é a implementação de uma política de saúde pública com níveis de inclusão jamais alcançados nos Estados Unidos.
Não fosse a guerra, Johnson estaria na galeria dos grandes presidentes. Seria lembrado por sua votação consagradora (em 1964), não só na esteira da popularidade de Kennedy (morto em 1963), mas pelos embates contra o neoliberalismo (ainda em sua infância) do Republicano Barry Goldwater – defensor de teses que seriam implementadas quase 20 anos depois pela presidência de Ronald Reagan. Figuraria como o maior promotor de políticas de bem-estar social desde Franklin Roosevelt (1932-1945). Poderia estar positivamente associado à conquista de direitos civis. Este não parece ser um roteiro muito diferente do desejado por Obama. O problema é que as guerras não são um mero detalhe. Elas tendem a se tornar um buraco negro capaz de sugar a atenção da opinião pública, consumir recursos preciosos do orçamento, abalar o moral da política externa norte-americana, jogar gasolina na fogueira do antiamericanismo e, claro, destroçar presidentes inteligentes e bem intencionados, como Johnson… e Obama.
Antônio Lassance é pesquisador do IPEA, doutorando em Ciência Política pela Universidade de Brasília – UnB (lassance@unb.br).
 
Pescado do Blog do Saïd Dib 

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